Capítulo 19 (Parte 2): Por um punhado de likes
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Ao restaurante do El gato rojo, a clientela estava, como de costume, grande. Mas algo parecia errado, e Simone conseguia ver isso. Havia pessoas que nunca apareceram lá, e seus rostos não eram de sorrisos, eram semblantes de observação, seus olhos iam de um ponto para o outro, como se estivessem analisando algo.
Decidiu ir para os fundos, ao seu camarim.
— Melhor a gente sair daqui. — Simone disse. Arya, por sua vez, com as mãos sujas de argila, ficou surpresa.
— Eu tô quase acabando. Pode esperar uns quinze minutos?
— Olha, sei que falei que podia usar aqui como base pra sua… arte, mas sério, tem algo estranho. — Simone foi em frente ao espelho, tirou a peruca e começou a tirar a maquiagem. — Tem o tempo que vou levar até eu me arrumar.
— Ok, ok, vou conseguir nesse tempo. — As mãos de Arya agilizaram, começaram a se mover numa velocidade que nem mesmos alguns gunslinger poderiam alcançar. E mesmo tão concentrada, conseguiu puxar assunto. — Acha que a Émile vai gostar?
— Eu sei lá — disse já com sua voz masculina — não conheço a garota. Pelo que me contaram, é sua fã, não é? Então deve gostar de qualquer merda que fazer.
— Não tô fazendo merda! É arte!
Nil deu um suspiro.
— Desculpa ai, modo de falar.
— Desculpas aceitas. Não é apreciador da arte?
— Eu canto, então diria que sim. Mas desse tipo? Nem tanto. O quê me vem a questão… — Nil parou de tirar a maquiagem por um segundo e se virou para Arya. Olhou para ela de cima, e perguntou: — por que se juntou a Carreta?
— Hã? Ah… você tinha saído quando fui conversar com a Baret, no churrasco, não é? Então…
— Eu ouvi a conversa — Nil interrompeu — mas eu não compro muito essa ideia. Não quero ofender, mas eu tenho um instinto, uma intuição, saca? E ela me diz que não é muito confiável.
Arya parou de moldar a argila e olhou para Nil, com um olhar decepcionado. Após pensar um pouco, respondeu:
— Eu salvei sua vida, não?
Nil deu de ombros. — Salvou. — E virou-se novamente para tirar a maquiagem. — E eu te devo por isso. Talvez seja o motivo de eu estar desconfiado: não gosto de dever para os outros.
— Acho que eu entendo o sentimento… Mas e você? É só porque está entediado?
— Uhuum. Só por isso. Se a Baret não conseguir achar um jeito de consertar a Carreta, talvez eu encerre essa parceria, mas até lá, estou me divertindo.
— Mesmo depois de quase morrer?
— Hah! Só torna as coisas mais divertidas, não é?
Deram uma risada juntos.
Após cerca de dez minutos, Arya terminou sua pequena estátua e deixou no camarim para secar. Com Nil pronto, fizeram o que ele mandou: sair dali. Foram pelas portas dos fundos, com guarda-chuvas e casacos. Andando pelas ruas de Romaniva, poucas pessoas ousavam pisar no chão molhado, a maioria não tinha essa coragem.
Mas isso não quer dizer que estavam sozinhos ou que as ruas estavam desertas. Nil logo percebeu isso.
— Estamos sendo seguidos — cochichou para a mulher ao seu lado. Arya não respondeu de primeira. Olhou sutilmente para trás e percebeu alguns homens e mulheres, fazendo coisas diferentes. Mas tinha certeza: eles estavam criando pequenas desculpas em suas ações para, pouco a pouco, se aproximar da dupla.
— O que a gente faz?
— No momento? Nada. Vamos entrar em algum lugar público e esperar o melhor.
Arya confirmou e, na primeira oportunidade de entrarem em um shopping, aproveitaram.
. . .
Foi uma longa caminhada na chuva até Quincas e Baret chegarem ao mega-building Amanhecer. Não se tratava de um shopping em si, mas um prédio tão grande que abrigava tudo que uma população precisava. Baret nunca morou naquele local, mas sabia de algo: o melhor bar da cidade estava ali.
Após longos minutos num elevador grande o suficiente para ocupar pelo menos três carros, os dois chegaram ao andar noventa e dois. Era um andar com várias lojinhas, pequenos negócios, bancos pequenos, escritórios de advocacia e restaurantes.
Baret tomava a liderança, e indo até o final do andar, chegou ao que era o destino: Lua de origami.
Um lugar era dotado de muito neon, mas não ao ponto de ser mal iluminado. Dado ao horário, o local ainda estava vazio, exceto pelo barman que limpava os copos, quê, ao ver a freguesia chegando, não ficou exatamente com um sorriso.
— Baret Leone, não é um prazer te ver. Pensei que eu tinha deixado bem claro que tava expulsa, não deixei? — sua voz era da mais pura irritação e tão grave quanto um solo de baixo.
— Pois então, Francis, hoje eu meio que não to me importando, então será que dá pra dar umas bebidas pra gente e deixar por isso mesmo? O bar tá vazio, ninguém vai se importar.
— Parece se conhecerem — Quincas comentou.
— E esse é o problema — complementou Francis — esse era o bar favorito da Baret, vinha aqui em todo happy hour, e foi onde ela conheceu o Josh. Então nem preciso falar o problema que deu.
— São águas passadas.
— É mesmo, Baret? Você acompanha o Actua? Tá todo mundo falando de você, de novo.
Baret jogou as mãos pro ar. Pegou a carteira e tirou alguns trocados, jogou em cima da mesa e disse:
— Me dá um Blue star, com vodca. Vai querer o quê, Quincas?
— Hmm… Geralmente eu pego o mesmo que a moça que estou acompanhado, mas como você já deixou claro que não quer nada… Alguma recomendação, chefe?
Francis bufou. Olhou Quincas de cima para baixo e perguntou:
— Se importa de beber algo além de álcool puro?
— Hah! Se for o quê tem, por que não? Mas deixa eu ver… Já sei, essa combinação vem de casa: pega o seu maior copo e coloca metade cerveja, metade vodca. Depois espreme um pouquinho de laranja e limão e pra finalizar, um suquinho de morango só pra dar a cor. Com gelo, por favor.
— Senhor, eu não recomendo misturar fermentado com destilados.
— Ah, qual é, aqui tem essas frescuras? — Indignado, Quincas se sentou no banco a frente do barman e deu um leve tapa na mesa. — Manda brasa, homem! Não tem álcool que minhas tripas não aguentem. Mete um pouco de tequila também, então, pra ver do que eu tô falando.
Após mais um suspiro do barman, ele obedeceu. Pegou o dinheiro na mesa e começou a preparar os drinks. Baret sentou-se ao lado de Quincas e disse:
— Se você dar PT, eu não vou te carregar.
— Bah, pode relaxar que eu não sou desses.
— Parece mal-humorado.
— Acho que eu to um pouco mesmo. — Quando disse isso, meteu a mão na pequena cestinha de amendoim e colocou na boca, continuou falando de boca cheia: — Quase morri por aquela atiradora e… Tô me sentindo mal pela Émile. A coitada não teve chance de se despedir da família.
— Ela vai ficar bem.
— Vai. Mas também vai se lamentar que nunca teve a chance de dizer adeus, e isso, não tem tempo que cure.
— Tem experiência nisso?
Quincas não respondeu. Coçou a barba e comeu um pouco mais dos amendoins. Quando a bebida chegou, finalmente falou algo:
— Não vim falar de mim. Mas sabe, já que quer fazer o assunto ser eu… Já te contei quando fui Sócio sênior das Powder Inc.? — Olhou para Baret quando dava o primeiro gole, suficiente pra sentir o estomago queimar. Baret não acreditou no que ouviu.
— Do que tá falando?!
— Isso foi há… sete anos. Eu tava dando rolê numas vilas perto de Orfenos, e me envolvi num trabalho. Era um favor. Tinha que levar um pacote de uma vila pra outra, até aí, nada de mais. Quando eu fui pegar o pacote… descobri que era um sócio da Powder Inc.
— Por que caralhos ele era o pacote?
— Pensando agora, eu nunca perguntei. De toda forma, não é como se ele estivesse amarrado, era mais um serviço de proteção. Mas aí ele me disse: “olha, eles vão vir atrás da gente e vão exigir levarem um sócio sênior. Então eu tenho esse contrato que te faz sócio e eu um ninguém. Sacou a parada?”.
— E aí você assinou, fez o trabalho e no meio do caminho foi abordado por sei lá quem. Aí é claro, eles não pegaram a desculpa.
— Pior que eles aceitaram, mas me falaram: “olha, pelo contrato, você não é mais sócio sênior em sessenta horas. Rola ficar com a gente, esperar e deixar a gente levar o cara?” ai eu disse: “por que não?”.
— Então ferrou com o cara que você devia um favor? Isso não é lá a melhor coisa pra se dizer pra sua patroa.
Quincas logo se pôs a consertar o que disse. Tomou mais um gole e respondeu:
— Disse quando contratou o Nil que não sabia as merdas que fiz, então agora estou falando uma das minhas maiores merdas. Confio que isso não vai abalar nossa relação. Inclusive, bom mencionar que o cara que eu devia o favor já apontou uma arma pra minha cabeça.
— Pretende me trair, Quincas?
Quincas não hesitou. Deu um sorriso e respondeu: — Jamais.
Baret tomou a resposta como o suficiente. A verdade é que não queria pensar muito nisso, ou melhor, não queria pensar. Tomou de uma só vez a sua bebida, mas não foi o suficiente. Os pensamentos não iam embora, ao contrário, ficavam mais intensos.
— Porra, Quincas! Preciso de um plano!
— Um plano? — A voz de Quincas já estava alterada, mesmo que tão levemente que era quase impossível de distinguir. — Pra lidar com aquela piranha?
— É.
Quincas confirmou com a cabeça. Pensou um pouco e jogou no ar:
— E se não lidarmos?
— Como é?
— Não entendo muito dessas coisas da internet, mas o que ela quer é palco, não é? Quer dizer que se ficarmos longe dos holofotes, na moita, nada acontece.
— Sim, mas… A gente precisa de dinheiro. E eu duvido que o Nil vai ajudar nessa. Ele anda com uns papos que eu preciso me provar que sou capaz de fazer isso ser lucrativo.
— Bom, ai você tem sorte; sou especialista em conseguir lucro. Quanto a gente precisa?
— O Axel que ficou de fazer o orçamento. Acho que daria uns três mil? Talvez quatro. Olha Quincas, se quer me ajudar, beleza, mas nada ilegal, ok?
— E quem disse em algo ilegal? O esquema que eu estou pensando não é legal, mas não infringe a lei. — Quincas se animou e apoiou-se na mesa. Com um sorriso no rosto, começou a explicar o esquema. — Sabe aquela pergunta: “o que prefere, um milhão de créditos ou um milhão de amigos?”
— Sei.
— Então sabe que os amigos são a resposta certa. Pois você pede pra eles te darem 2 créditos e aí você tem dois milhões de créditos. E olha só que curioso: a gente tá com alguns milhares de novos amigos.
— Tá falando dos refugiados? Quer cobrar dinheiro deles?
— Não falei em cobrar. Falei em pedir uma quantia de dinheiro minúscula que não fará diferença real pra eles, mas, para nós, fará. Pegamos o dinheiro, consertamos a Carreta e vamos embora sem disparar uma única bala.
— Não sei, Quincas. — O semblante de Baret não era de hesitação, e sim de real dúvida. Aquele plano parecia algo que talvez pudesse dar certo, mas, ao mesmo tempo, algo não soava certo. — Esse povo aí chegou não faz nem trinta horas e, até onde sei, são a mais nova casta de mendigos de Romaniva. Eles não vão ter dinheiro pra nos dar e… Não acho que isso seja muito discreto.
— Bom, como eles vão conseguir o dinheiro é a parte “não legal” do esquema. — Terminando sua bebida, Quincas bateu o dedo na mesa, pedindo por mais uma dose. — Mas acho que saquei a parada. Que tal o esquema da vaca gorda?
— Oi?
— A vaca gorda agrada os olhos de quem quer comprar ela. Ela é grande, bem rechonchuda, faz parecer que dá um bom churrasco. Mas aí você abate ela e vê que ela é mais gordura do que carne. Tendeu o que eu quero dizer?
— Não?
— Tô dizendo que você é a nossa vaca gorda! — disse com um sorriso, mas Baret não ficou nem um pouco contente com a comparação. — Sem ofensa. O que eu quero dizer é: o pessoal quer informação sobre você, e bem… a gente pode tentar vender essa informação pelo preço certo.
— Quer que eu me ajude no meu próprio cancelamento?
— Quero que seja uma vaca gorda.
Baret estava prestes a xingar Quincas, mas algo a impediu: uma mão que deslizou sobre seu ombro. Baret virou para ver quem era, mas não viu ninguém. No segundo seguinte, ouviu em direção de Quincas os passos e lá estava: uma mulher de vestido curto e maquiagem pesada. Nada mais que Kawadark.
Ela sentou-se graciosamente na cadeira ao lado de Quincas e apontou para o copo de Baret. Com duas batidas de unha na mesa, a bebida já estava servida em sua frente. Ajeitou o cabelo por um segundo e, após beber um gole, virou seu olhar para os dois.
Baret estava espumando de raiva, e Quincas de um súbito desejo.
— Tem bon goût, Baret. Muito deliciosa a bebida. — Sua voz era carregada de um forte sotaque francês. Baret não estava com cara de muitos amigos. Respondeu logo de cara:
— Larga o sotaque forçado e me diz logo o que quer.
— Nesse caso… — sem deixar o sotaque de lado, foi até a bolsa e tirou um envelope. Com um peteleco, fez ele deslizar até Baret. Ela hesitou por um segundo, mas o abriu. Eram cinco notas de cem créditos. — Votre parte.
— Como é?
— Sabe o que seu amigo estava falando? A vache gorda? Pois então, sinto que tenho que esclarecer: você não é vache que eu busco. Não mais.
— Não fode comigo. Depois daquela enxurrada de notícia falsa distorcendo um vídeo.
— É por isso que estou te dando o argent. — Apontou para o envelope com dinheiro. — Aquilo foi… um sinal, algo para chamar sua atenção. Também foi uma prevenção que não sairia tão cedo.
— Fala logo o que quer.
— D’accord, serei direta: quero os podres de um membro do seu grupo. A pessoa em particular é Simone, também conhecida como Nil.
Quincas e Baret se olharam por um segundo.
— Epa, calma lá. Eu tava quieto porque sempre fico sem palavras quando to perto de moças bonitas, mas isso já é demais. O que você quer com o Nil? — perguntou Quincas.
— Justice, é claro.
— Falei pra parar de foder com a gente — Baret respondeu — Justiça? Isso é ridículo.
— Não é ridículo. Pode me odiar o quanto quiser, Baret. Mas o que você sofreu foi repercussão das suas ações. Meu trabalho como influenciadora é garantir que, quando o estado não vai atrás de justice, o povo vá atrás eles mesmos. E no momento, a Simone é quem eu quero levar a justice.
— Hah, como se eu fosse acreditar nisso. Já tenho até ideia do que você realmente quer: “Víbora Tálarica esfaqueia colega nas costas!”.
— Pois é, me parece algo que a mídia iria dizer — o gunslinger comentou — não me leve a mal, mas você não é confiável.
— Entendi… Acha que estou fazendo isso para te cancelar mais ainda, si? Então deixarei claro: você já é passado, Baret. — Terminou sua bebida e levantou-se, indo em direção à saída, parou um pouco depois de Baret. — Apenas para saber… o meu post só repercutiu, pois eu usei bots. Para as pessoas, você não é mais tão interessante. Pense nisso. O meu número está dentro do envelope.
Sem mais dizer uma palavra, foi em direção à saída. Mas Baret não poderia ficar quieta.
— Pode enfiar no cu.
— Como é? — Kawadark virou-se, em dúvida.
— Eu não vou te ajudar, não importa o que você diga. — Levantando-se do banco, Baret ficou de frente a frente para Kawadark. Descansando a mão sobre o coldre, ela afirmou com todo o ego: — E você não vai sair daqui inteira depois de fuder com a minha vida.
— Pera lá, Baret. — Quincas segurou ela pelo braço, mas foi logo empurrado. — Matar ela não vai dar bom.
— Quem disse em matar? Só vou garantir que ela vai pular da janela. Por que acredite, vai ser bem melhor do que eu vou fazer com você e essa sua língua que só fala merda com sotaque falso.
Kawadark suspirou. Bateu duas palmas e, numa velocidade surpreendente, mais de dez homens apareceram. Não usavam armas de fogo, mas sim bastões, tacos de golfe e até mesmo uma espada medieval. Estavam em fora de forma e tinham o rosto coberto por espinhas.
— Imaginei que isso iria acontecer. O álcool subiu na sua cabeça, si? Pois bem, vou garantir que desça.
Frente a frente, os oponentes estavam. A pequena freguesia que estava ao bar olhava com olhos de atenção, curiosidade e dúvida. Alguns já tinham tirado o celular para gravar, enquanto outros, ainda que em menor quantidade, tentavam dar um jeito de sair.
Quincas sentiu-se nostálgico por um instante. Levantou do banco e, ao lado de Baret, disse:
— Espero que tenha experiência em briga de bar!
— Pode apostar que eu tenho.
Aquele dia ainda seria muito longo.