Capítulo 11 (Parte 3): Você (Não) está sozinho
O corredor estava cheio de sangue, mas nenhum guarda, apenas corpos. O pequeno grupo andava lentamente até o fim do corredor, tomando todo o cuidado que poderia ter. Aquela era uma situação de vida ou morte.
— Como isso é possível…? — Atlantis questionou — um massacre desses, e não ouvimos nada…? Mesmo com uma sala a prova de som, deveria haver limites, não é?
— Podem ter usado uma carga-muda. É um dispositivo militar capaz de bloquear momentaneamente o som. Mas é um dispositivo raro, com uma bateria que dura pouquíssimos segundos… O que me preocupa é outra coisa.
— O que seria?
— Se eles conseguirem matar tantos homens, e se a intenção deles é nos matar ou fazer mal… Por que não invadir a sala? Por que tentar nos atrair para fora…?
— Talvez não pudessem entrar…? — Agni, a guarda que estava mais atrás e com o rifle em mãos, teorizou. — Se eu tivesse que adivinhar… Talvez conseguiram se passar por guardas. E atiraram um nos outros… Ou coisa parecida…
— É uma possibilidade. Mas parece um plano sem sentido. — Chyou, mais a frente e com duas armas em mãos, parecia um tanto quanto cética. — Não parece um plano de assassinato, mais parece uma espécie…
— Não é uma intenção de assassinato, então. — Loid concluiu. Ajustou os óculos com a mão esquerda e com a direita, segurava firme sua própria arma. — Estamos seguindo exatamente o plano dela. Ela quer nos colocar pra fora. Se fosse para adivinhar, é um show.
— “Ela”?
— Raimunda. Creio que saiba quem seja, Atlantis.
— A mulher que tentou te matar no caminho.
— Correto. Achei que era apenas um atentado à minha vida, mas o buraco é muito mais embaixo. Ela quer provar um ponto.
Quando chegaram ao fim do corredor, além da porta, estaria o estacionamento que conectaria o prédio do governo de Romaniva. Chyou estava prestes a abrir, mas…
— Espere. — Loid interviu. — Antes disso, gostaria de pedir um favor.
— O que é? — Atlantis perguntou.
— Meu instinto me diz que além dessa porta, há um perigo. Atlantis não é um gunslinger, por consequência é o que mais corre risco aqui. Se estou bem lembrado, as escadas de emergência ficam à direita desta porta, subindo elas, chegará ao prédio e poderá sair.
— O mais natural seria levar ele direto para lá e fugirmos o mais rápido possível. — Concluiu Agni. Mas quando ouviu isso, Loid fez uma expressão um tanto suspeita, negou com a cabeça.
— Como eu disse antes, Chyou é minha guarda-costas, mas também é a portadora da primeira slinger criada por Benzaiten. Ela é uma lutadora experiente, confio nela. Por outro lado, a situação é muito mais crítica que o trem. Nesse caso…
— O que é? — Atlantis queria saber de uma vez.
— Chyou acompanhará Atlantis. Eu e sua guarda-costas ficamos e lutamos com quem quer que seja. Isso se houver, é claro.
Agni enfurece-se ao ouvir aquilo. Apontou a arma para Loid no mesmo momento, Chyou se pôs a frente, apontando sua arma.
— Isso já é demais. Desculpe, mas isso está muito suspeito! Até onde sei, no momento… Vocês são o mais perto de um inimigo! Como ter certeza que isso tudo não é obra de Benzaiten?
Loid não respondeu de primeira. Deu um suspiro e colocou a mão no cano da metralhadora da própria guarda-costas, abaixando a arma.
— Com todo respeito, mas eu devo colocar meu país em prioridade. Isso significa uma arma criada por ele, e a minha vida também. Por outro lado, caso Atlantis morra, Benzaiten será responsabilizada, isso vale ao contrário também. Se nós três, gunslingers, nos focarmos no inimigo além da porta, Atlantis ficará exposto ao perigo. E se Atlantis e você, sua guarda-costas forem os únicos a fugir… Estou pondo apenas o meu país em risco. O que proponho é uma relação de mútua vantagem e de mútua confiança.
Era uma lógica sem falhas. Agni não podia negar isso, mas também não poderia deixar de sentir que era um risco muito grande, um perigo a ser evitado. Antes que ela pudesse falar algo, Atlantis respondeu:
— Eu aceito a proposta. Qual é o feitiço da sua guarda-costas?
Loid sorriu, ajeitou os óculos mais uma vez e explicou: — As balas dela retiram pouco a pouco os recarregamentos de outros gunslingers, impedindo que criem mais munição para suas slingers. Além disso, ela recupera sua própria energia para criar mais munição. É perfeito para capturar gunslingers.
— Muito bem. Agni é capaz de paralisar objetos e pessoas no lugar…
— Espere, você tem certeza disso? — Agni o interrompeu. — Senhor, eu farei o que você ordenar, mas isso é…
— Eu confio em você.
— Hã? O que… Isso tem a ver…?
— Você não vai estar fora de serviço mesmo se não estiver me protegendo ativamente. Porém, eu confio em você, sei que quando estiver em serviço, estarei seguro. Então não há problema. Por favor, compartilhe toda informação que for útil há Loid.
— A-a-ah… Ok… Certo. — Deu uma tossida, tentando disfarçar o rosto vermelho. Se virou para Loid e focou-se. — Meu feitiço paralisa alvos, sejam pessoas ou objetos. Tenho duas restrições: meus tiros nunca são letais, e o tempo é sempre igual a uma quantidade de segundos em números primos. Objetos paralisados por inteiro ficam suspensos no ar, mas posso fazer eles mexerem. Quando a paralisa termina, o movimento que tinham continua.
— … Entendo. Certo. O meu feitiço… Bom, em termos simples é… — Um estouro por trás da porta fez todos pararem de falar. E uma voz já conhecida por Chyou pode ser ouvida, era amplificada por um megafone.
— VOCÊS PODERIAM POR UM CARALHO DE FAVOR VIR LOGO?! EU JÁ DEI CINCO MINUTOS, DEVIA SER TEMPO O SUFICIENTE PRA DIZER ADEUS! VAMOS, TEM UMA PORRA DE AUDIÊNCIA ESPERANDO!
Loid fez um rosto sério e se virou para a porta. Encostou sua slinger, uma escopeta de cano duplo e cerrado em sua testa, cochichou palavras. Em seguida, falou em voz alta:
— Vamos. Chyou, suas ordens são proteger sua slinger e a vida de Atlantis. Como o fará fica a seu critério, tendo minha permissão para usar a sua slinger a vontade, até eu dar ordem contrária.
— Sim, senhor!
— Estão prontos?
— Sim. — Os dois Orfenienses falaram ao mesmo tempo. Atlantis tinha uma tremedeira em sua mão, mas estava focado e pronto para correr com toda sua velocidade.
— Se a porta estiver disponível, corram até ela quando eu disser meu próprio nome. — Não esperou mais. Loid tomou a frente. Com as duas mãos, abriu a porta.
O estacionamento estava em perfeito estado. Todos os carros estavam no exato lugar em que Atlantis e Agni tinham lembrado de ver. A iluminação estava perfeita. Teve algo que Agni notou logo após entrar: em diversos pontos do estacionamento, em diversos ângulos e posições, havia câmeras filmando. Ao fundo do estacionamento, sentada em cima de um dos carros, com sua slinger em uma mão e uma máscara de gás transparente em outra, ao seu lado, um megafone, estava Raimunda.
— Finalmente — disse em tom sarcástico. Colocou a máscara em seu rosto e a slinger no ombro. Saiu de cima do carro e apontou para a porta. — A saída é ali, os dois sorteados podem ir.
— Como é? — Agni perguntou sem pensar.
— Podem ir. Sem problemas, foi o que combinaram, não é? Eu espero. Um pouco, pelo menos. — Como uma forma de “contar”, começou a recarregar lentamente a sua slinger enquanto balançava a cabeça. — Sério, tão esperando o quê? Não tem armadilha nenhuma na porta, ou na escada… No prédio talvez tenha um fantasma, mas isso eu não garanto.
Loid deu um suspiro. Se virou lentamente e falou em um tom quase decepcionado:
— Loid.
Chyou levou a sério e começou a cor como uma bala até a porta. Atlantis estranhou por um segundo, mas também correu. Numa questão de alguns momentos, sumiram de vista. Raimunda deu um sorriso largo, apontou a arma para cima e uma única bala saiu da cápsula de sua carabina.
— Eu estava brincando. Eu nunca recarrego na frente do inimigo.
Não esperou mais. Apontou o rifle e atirou, Loid e Agni foram a direções opostas, pegando cobertura num carro. Não desviaram do tiro de fato, Raimunda não estava mirando neles e sim a porta atrás. A explosão fez destroços caírem e bloquearam a entrada. Loki não parou, apontou para a porta na qual a outra dupla tinha fugido e repetiu o mesmo processo. Todas as portas estavam agora bloqueadas por destroços.
— Agni. Você percebeu as câmeras?
— H-hã? Ah… Sim, algumas. — Menta estranhou a pergunta, mas sabia que ele teria algum plano.
— Peço que foque em atirar nelas agora, destrua todas que encontrar. Eu irei segurar Raimunda enquanto isso.
— Tem certeza?
— Absoluta. — E então, fez algo na qual a garota e nem Raimunda esperavam: ele levantou no mesmo momento e apontou a slinger para a própria cabeça. Não hesitou, apertou o gatilho e a bala perfurou sua cabeça. Mas não foi sangue que saiu, e sim um efeito luminoso. No próximo segundo, abriu sua escopeta e recarregou um único tiro dela e depois disso, avançou.
Raimunda ficou surpresa por um mero milésimo, mas não hesitou também. Apontou sua arma para o carro mais próximo do inimigo e disparou. Ela não precisava acertar Loid de fato, e sim o carro. A explosão em efeito bola de neve deveria ser o suficiente.
Foi justamente como pensou: com a bala acertando o motor do veículo, uma explosão de chamas ocorreu e uma parede de fumaça negra começou a voar, nenhum humano sobreviveria aquilo, nenhum gunslinger seria capaz de aguentar isso.
Mas…
Quando a parede de fumaça começou a baixar, Loid estava lá, com a mesma pose de pouco antes de usar sua slinger, apontando ela à sua cabeça. Seus olhos fitaram sobre Raimunda por um instante, e então, apertou o gatilho mais uma vez, recarregou a arma no mesmo momento.
“Que feitiço de slinger é esse…?!”, Raimunda questionou-se, “Um escudo talvez? Talvez ele faça invulnerável tudo que a slinger dele acertar…?”
— Tsc — reclamou. Apontou sua slinger novamente e disparou, uma, duas vezes. Loid conseguiu evitar os disparos. Pouco a pouco se aproximando, ele apontou sua arma para ela e atirou. Era uma escopeta, mas seus disparos não eram do tipo que se fragmentam. Embora a precisão, não foi difícil para Raimunda evitar ser acertada.
O disparo foi meramente uma forma de distrair Raimunda, fazer ela ter que parar de mirar por um instante. Deu tempo o suficiente para ficarem frente a frente, passarem o olho sobre si e sem esperar, começar uma trocação de golpes.
Raimunda usou sua boa e velha faca na manga, enquanto Loid utilizava o cabo da escopeta como arma. Ele tinha particularmente a vantagem de uma mão livre, conseguia redirecionar os golpes, fazê-los irem a outras direções. Seus próprios movimentos eram regrados, de um militar ou artista marcial, mas havia algo por trás, uma sutileza que Loki conseguia sentir… Como um tempero, um toque de limão na carne salgada; a ferocidade das ruas e a brutalidade da anarquia.
Talvez por isso que no meio da valsa de golpes, acompanhado dos disparos de Agni destruindo as câmeras, sorriu.
— O último presidente que matei não me deu trabalho — falou no meio do combate — se bem que… Era só um candidato, não é? É… Você vai tirar o meu cabaço de líderes de cidade grande.
Loid não respondeu. Focado na luta, não buscava pilhar ainda mais a sua oponente. Tentava acertar socos, cotoveladas, desestabilizar sua base. Era mais que claro que estava enferrujado, afinal, foi um único erro que lhe custou tudo: um soco mal dado que deu espaço para Raimunda dar um chute em sua barriga, de tal forma que tomou impulso para ir atrás, espaço e tempo o suficiente para apontar sua arma e….
Um estouro pode ser ouvido.
Loid sentiu num microssegundo a vida passar pelos olhos, sentiu a bala perfurando seu pescoço e uma explosão expandindo-se dentro. Ninguém sobrevive a isso, ninguém consegue resistir a uma explosão.
Mas…
Um estouro pode ser ouvido.
Não foi o estouro da arma de Raimunda que ecoou pelo campo de batalha, foi da arma de Loid disparando. Antes mesmo do som chegar aos seus ouvidos, ela viu Loid na mesma posição de antes: olhos fitando a ela, slinger apontada na cabeça e pescoço intacto.
Ele disparou mais uma vez na própria cabeça e avançou contra Raimunda.
“QUE PORRA FOI ESSA?”, Raimunda gritou dentro da própria mente “Isso não é proteção, isso é… um backup? Uma espécie de viagem no tempo…? Não, isso aí é impossível. Tem coisa que nem as slinger podem fazer… Não importa. Se ele usou esse truque para sobreviver à explosão, já foram… cinco tiros. Ele deve ter no máximo mais quatro e meio carregamentos até chegar no limite de balas”
Se recompôs, e a luta continuou.