Vilão da Minha Própria Novel - Capítulo 05
Capítulo 05 – Desafios(2)
Eu parei, o garfo suspenso no ar, encarando-a com uma mistura de surpresa e cautela.
A determinação em seus olhos verdes era palpável e, por um breve momento, a tensão entre nós poderia ser cortada com uma faca.
‘Por que ela estaria interessada nas minhas habilidades? Será que é só curiosidade ou há algo mais?’ — pensei, escolhendo cuidadosamente minhas próximas palavras.
Antes que pudesse responder, Seraphina inclinou-se para frente, diminuindo ainda mais a distância entre nós.
― E não pense que esqueci nosso duelo. Quero lutar novamente com você. Agora mesmo, depois que você terminar de comer.
― O quê?
Respondi, meio surpreso, já que não dava para evitar.
Suas palavras me pegaram desprevenido, aumentando a tensão do momento.
Eu tinha outros planos, e lutar novamente com Seraphina não estava entre eles.
― Não tenho tanto tempo livre quanto você, ― tentei desviar da situação sem parecer que estava fugindo.
Seraphina arqueou uma sobrancelha, claramente não esperando por essa resistência.
― Então esteja livre o quanto antes.
― Vou pensar sobre isso e te dar uma resposta, ― assegurei; eu não estava querendo me comprometer com ela tão cedo novamente.
Com um aceno quase imperceptível, ela se afastou, deixando-me sozinho para terminar minha refeição em paz.
Enquanto eu retomava meu almoço, não pude deixar de refletir sobre o desafio proposto e o quanto Seraphina estava disposta a ir para provar sua superioridade ou, talvez, para entender melhor a extensão dos meus poderes.
‘Não me lembro de algo assim acontecer em minha novel.’
Na minha novel, Seraphina conhecia as habilidades de Evan, mas não demonstrava curiosidade sobre elas.
Eu não sabia o que ela estava querendo e não tinha imaginado que viria até o refeitório só para me propor outro desafio.
—————————————————————————————————
Depois de deixar Evan sozinho no refeitório, Seraphina caminhou devagar em direção aos jardins da Spectra, buscando o refúgio silencioso entre as árvores.
Lá, onde o som das folhas era a única interrupção, ela se sentou em um dos bancos mais escondidos.
Permitindo-se um momento raro, deixou sua mente recuar para memórias dolorosas que evitava.
A lembrança era tão nítida quanto implacável.
O dia em que seu pai, um herói famoso por suas gentilezas e compaixão, foi tirado dela.
Ele era admirado não apenas por suas habilidades, mas por tratar todos com bondade, independentemente de sua origem ou status.
Seraphina era apenas uma criança, mas a imagem do pai sendo assassinado bem diante de seus olhos permanecia marcada em sua memória.
O assassino nunca foi identificado, mas ela se lembrava da cena claro como o dia. Ele possuía habilidades semelhantes às que Evan demonstrara.
Enquanto os raios de sol atravessavam a copa das árvores e o vento frio sussurrava através dos galhos, Seraphina sussurrou para si mesma, quase sem perceber.
― Por que os poderes dele me lembram tanto daquele maldito?
A pergunta ecoou no vazio, uma mistura de curiosidade e ressentimento em sua voz.
Ela fechou os olhos, respirando fundo, tentando conter o turbilhão de emoções.
Quando abriu os olhos, sua expressão estava decidida, um brilho feroz neles.
‘Eu vou descobrir, pai. Vou descobrir quem foi o maldito que destruiu nossa família. E quando o achar…’
Seraphina apertou o punho até as unhas marcarem sua pele.
Olhando para o horizonte, onde o céu azul parecia tocar as construções da Spectra, ela sentia que, para desvendar o mistério em torno da morte do pai, teria de entender mais sobre Evan, sobre quem ele realmente era, sobre a origem de suas habilidades.
Para ela, aquelas habilidades eram parecidas demais para ser uma simples coincidência.
Mas e se isso a levasse a confrontar o passado? Ela se perguntou.
‘Não vou hesitar.’
Perdida nesse turbilhão de pensamentos, os passos leves de alguém se aproximando a fizeram sair da bolha de isolamento.
Luna, sua amiga mais próxima, apareceu entre as árvores com um sorriso suave e um olhar preocupado.
Seu cabelo roxo e vibrante estava cortado em um bob liso e bem organizado.
A cor dos fios combinava perfeitamente com os olhos roxos, que brilhavam com uma energia juvenil e uma expressão animada.
― Seraphina, o que você está fazendo aqui sozinha? ― Luna perguntou, sentando-se ao lado dela.
Seraphina forçou um sorriso, tentando encobrir o conflito que ainda ardia em seu peito.
― Só estava pensando em algumas coisas, ― ela disse, mas sua voz carregava um leve tremor.
Luna, percebendo a tensão, lançou-lhe um olhar de compreensão antes de mudar o assunto, tentando dissipar o clima pesado.
― Vi seu duelo com aquele cara mais cedo. Todo mundo está falando sobre isso. O que aquele idiota queria com você?
Seraphina suspirou, ponderando sobre a resposta. Só de pensar em Evan, um misto de raiva e inquietação surgia.
― Não sei, Luna. Tem algo nele… nas habilidades dele… que me perturba. Mas talvez eu esteja só imaginando coisas.
Luna estudou a amiga por um instante, tentando captar o que havia por trás de suas palavras, mas acabou apenas sorrindo e colocando a mão no ombro dela.
― Talvez você esteja, Seraphina. Há tantas outras coisas para focar na Spectra. Não vale a pena perder seu tempo com um duelo passageiro.
Seraphina fitou Luna, e por um momento a tensão pareceu se dissipar, substituída por uma sensação de gratidão pela perspectiva prática da amiga.
― Talvez você tenha razão, ― Seraphina respondeu, respirando fundo.
― Há muito mais em que eu deveria estar focada agora.
Mas no fundo, enquanto olhava novamente para o horizonte, Seraphina sabia que, até ter respostas, a sombra daquele dia continuaria a segui-la.
—————————————————————————————————
13:00 da tarde.
Eu tinha chegado ao meu trabalho de meio período, entrando no lava-rápido que já tinha se tornado parte da rotina diária de ‘Evan’.
O lugar era um estabelecimento modesto situado em uma das ruas mais movimentadas da cidade.
Cada carro que era deixado brilhando era um lembrete tangível do trabalho duro, uma característica apreciada pelo Sr. Hendricks, o proprietário e, em muitos sentidos, uma figura paternal para ‘Evan’ naquele mundo.
Sr. Hendricks era um personagem que eu descrevi com cabelos completamente prateados e olhos azuis que sempre pareciam entender mais do que deixava transparecer.
Ele era o tipo de pessoa que fazia você querer se esforçar mais.
Sua gentileza não era apenas uma extensão de sua personalidade; era uma filosofia que ele aplicava em todos os aspectos de sua vida e negócios.
Ao me ver, ele parou o que estava fazendo e veio ao meu encontro, uma expressão de leve repreensão misturada com preocupação adornando seu rosto.
― Evan, eu já havia dito que você não precisava vir hoje. Você deve se concentrar nos seus estudos e cuidar dos seus irmãos. Não quero que você se sobrecarregue.
Sua voz parecia estar carregada de genuína preocupação.
Na minha novel, eu adicionei que ‘Evan’ veio trabalhar todos os dias restantes antes de focar na Spectra.
Achei que deveria seguir um pouco o roteiro.
Eu apenas sorri em resposta, reconhecendo a preocupação, mas também explicando.
― Eu sei, Sr. Hendricks, e sou realmente grato pela sua compreensão. Mas preciso estar aqui. Ajuda-me a manter a cabeça no lugar, e… honestamente, ajuda-me a esquecer das coisas por um tempo.
Tive que adicionar uma pequena mentira, ou ele me mandaria embora.
Houve um silêncio entre nós por um momento, um entendimento mútuo que parecia sempre existir.
Com um suspiro resignado, ele finalmente assentiu.
― Tudo bem. Mas, por favor, não se esforce demais. E lembre-se, você será pago pelo mês inteiro, mesmo que decida não vir, ― insistiu ele, uma oferta que eu sabia que vinha do coração.
Agradeci-lhe com um aceno de cabeça, tocado pela sua generosidade.
===
Após a conversa com o Sr. Hendricks, enquanto eu me preparava para começar o trabalho, uma voz me chamou a atenção, fazendo-me virar.
― Evan, você veio afinal.
Uma garota apareceu ao meu lado, com um sorriso que me surpreendeu.
Seus cabelos castanhos claros estavam presos de forma simples, e seus olhos refletiam uma preocupação genuína.
Ela sempre teve esse efeito sobre as pessoas, uma presença reconfortante que fazia qualquer preocupação parecer menor.
― Leah, ― cumprimentei, sentindo um conforto instantâneo com sua presença.
Ela era filha de Hendricks, alguém que “Evan” considerava como uma irmã.
Leah sempre se comportou mais como uma irmã para Evan, cuidando e se certificando de que ele não se sobrecarregasse.
― Seu pai acabou de dizer que eu não deveria ter vindo hoje.
Ela deu de ombros com uma expressão suave em seu rosto.
― Ele está certo, você sabe. Você se esforça demais. Todos nós estamos preocupados com você.
Mais uma vez, eu escutava que tinha pessoas preocupadas com Evan.
Escutando isso, eu percebia cada vez mais o quão duro eu tinha sido com Evan em minha novel.
― Eu sei, Leah. E eu agradeço por isso, de verdade. Mas eu preciso fazer isso, não só pelos meus irmãos, mas também para me sentir… útil.
Expliquei, tentando transmitir uma mistura de necessidade e determinação que me motivava a seguir em frente.
Leah me observou por um momento, a luz do sol da tarde brilhando ao seu redor, dando-lhe uma aura quase etérea.
― Só não se esqueça de que você também merece descansar. E você tem a nós,
Ela enfatizou, colocando uma mão no meu ombro em um gesto de apoio.
― Você não precisa carregar tudo sozinho.
Essas palavras, vindas dela, tinham um peso especial. Leah sempre teve a habilidade de ver além da fachada que Evan tentava manter.
Mas não pude evitar de me perguntar se ela também conseguia ver além da minha.
― Obrigado, Leah. Eu… eu vou tentar lembrar disso.
Ela sorriu, mais uma vez. Era aquele tipo de sorriso que poderia iluminar os dias mais sombrios.
― E não se esqueça, estou aqui para o que precisar. Mesmo que seja apenas para falar, ou até mesmo para ajudar a cuidar de Noah e Emma, agora que as coisas irão ficar mais corridas para você.
Naquele momento, com Leah ao meu lado, a perspectiva de enfrentar o resto do dia pareceu um pouco menos assustadora.
― Eu sei, e isso significa muito para mim.
E com isso, voltei ao trabalho, carregando um pouco de luz comigo, cortesia da bondade inabalável de Leah.
Eu realmente estava feliz; era bom demais saber que tinha pessoas que se importavam com o personagem Evan.
“…”
A água corria incessantemente, misturando-se com o sabão enquanto eu manobrava a mangueira, esforçando-me para deixar cada carro brilhando sob o sol do meio-dia.
Nunca havia trabalhado em um lava-rápido antes.
Era uma realidade estranha, considerando que, até recentemente, minha maior preocupação era como estruturar o próximo capítulo da minha novel, não como remover manchas de lama de para-lamas.
Por sorte, Hendricks sempre vinha me dar instruções de como lavar cada carro.
Parecia que ele fazia isso com frequência, mesmo sabendo que Evan sabia como os carros deveriam ser lavados.
― É simples, Evan, ― ele disse.
― Basta seguir esse ritmo e garantir que cada cliente saia satisfeito.
Sua confiança em mim era ao mesmo tempo reconfortante e assustadora. Senti que não deveria decepcioná-lo.
O trabalho era metódico, quase terapêutico. Havia algo estranhamente satisfatório em ver a sujeira ser lavada e a superfície brilhante dos carros emergir.
No entanto, conforme as horas passavam, eu sentia o cansaço se acumulando.
Não era apenas o peso físico do trabalho repetitivo, mas também o desgaste do duelo com Seraphina.
Percebi que aquele confronto havia drenado uma quantidade significativa da minha energia mágica, algo que não se recuperava facilmente.
Cada movimento parecia exigir um pouco mais de esforço.
Músculos que eu mal sabia que existiam começavam a protestar, cada fibra queimando com o esforço repetitivo.
Além do cansaço físico, sentia um leve vazio, como se meu corpo ainda estivesse tentando restaurar a energia gasta durante o combate.
Eu estava exausto, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de realização acompanhava meu cansaço.
‘Será que era pelo fato de as coisas estarem dando certo?’
Não pude deixar de me perguntar.
De vez em quando, Leah aparecia com seu sorriso encorajador, trazendo com ela uma rajada de energia renovada.
“Sigh!” ― suspirei, sentindo o peso do dia nas costas.
Quando o relógio finalmente marcou o fim do meu turno, uma sensação de alívio se misturou com a satisfação.
‘Acho que realmente não deveria ter vindo aqui.’
Eu havia conseguido.
Apesar das minhas dúvidas iniciais e do desgaste físico e mágico, eu havia enfrentado o pequeno desafio e saído do outro lado.
― Já deve estar na hora.
Enquanto eu guardava os últimos equipamentos e me despedia do Sr. Hendricks e de Leah, uma parte de mim já estava se preparando para a próxima tarefa do dia: buscar Noah e Emma.
O trabalho no lava-rápido havia terminado, mas eu ainda tinha responsabilidades como irmão mais velho.
Caminhando em direção à saída, uma sensação de determinação me envolveu.
O dia havia sido um sucesso; era uma pequena vitória em um mundo de incertezas.
Eu havia conseguido duelar com Seraphina, ganhando 100 pontos para usar no sistema e comprar outras habilidades. Também consegui realizar todas as ordens de Hendricks sem muitas dificuldades.
Eu estava satisfeito.
À medida que o sol começava a se pôr, marcando o fim de mais um dia, fiz o meu caminho até a escola de Noah e Emma.
Como era um pouco longe, peguei um ônibus.
O peso do cansaço de um dia de trabalho e do duelo que tive com Seraphina estava sobre mim, mas a perspectiva de ver Noah e Emma me trouxe um novo ânimo.
Ao chegar, vi-os saindo pelo portão principal da escola, suas expressões iluminadas ao me verem.
Emma correu para mim, seus braços se enrolando ao meu redor em um abraço apertado, enquanto Noah, tentando manter uma fachada de maturidade, caminhou calmamente, embora seu sorriso traísse sua excitação.
Depois que organizei meus pensamentos, descobri muita coisa sobre a vida de Evan.
Emma tinha 7 anos e Noah tinha 9.
Isso explicava seu comportamento.
― Como foi o dia de vocês?
Perguntei, enquanto começávamos nossa caminhada de volta para casa.
Emma começou a tagarelar sobre seu dia, contando cada detalhe de suas aulas e das brincadeiras no recreio. Noah, por sua vez, compartilhou suas conquistas acadêmicas com um orgulho contido, seus olhos brilhando com cada palavra.
A caminho de casa, paramos em uma pequena loja de conveniência. Eu queria comprar algo especial para eles, um pequeno prêmio por serem tão compreensíveis com a minha agenda lotada.
Observando-os escolher seus lanches favoritos, senti uma onda de gratidão por ter Noah e Emma nesse mundo comigo.
Eu não estaria me esforçando tanto se não tivesse eles comigo. Isso não era algo ruim, mas sim bom.
Precisava de motivação para levar esse mundo a sério.
Enquanto continuávamos nossa caminhada, a conversa fluía naturalmente, variando de tópicos escolares a planos para o fim de semana.
Chegando em casa, nos acomodamos para uma noite tranquila.
Eu preparei o jantar enquanto eles faziam a lição de casa; o silêncio confortável só era quebrado por suas ocasionais perguntas sobre matemática ou gramática.
Depois do jantar, compartilhamos histórias e planos antes de nos acomodarmos para assistir a um desenho juntos.
Ao vê-los adormecer no sofá, cobertos por um cobertor macio, uma sensação de satisfação e propósito preencheu meu coração.
Com os dois a salvo e sonhando tranquilamente, eu abri a janela do sistema.
[Nome: Evan]
[Idade: 17 anos]
[Vitalidade: 7]
[Estamina: 3.2]
[Poder Mágico: 6.2]
[Força Física: 3]
[Habilidades]
-
-
-
- Manipulação de Sombras
-
-
[Pontos: 165]
Eu tinha ganhado 0,2 ponto de status em Estamina e Poder Mágico em um curto período de tempo.
‘Meus outros status não subiram porque eu não os forcei a subir, como fiz hoje.’
Como eu havia duelado com Seraphina e, logo em seguida, trabalhado no lava-rápido, esses ganhos eram justificados.
Forçar meu corpo a lidar com a pressão física do combate e, depois, exigir ainda mais dele com o trabalho físico fez com que minha Estamina aumentasse.
Da mesma forma, o duelo havia drenado minha energia mágica e, ao resistir até o limite, meu Poder Mágico também se aprimorou.
De repente, uma mensagem translúcida piscou na minha visão, desviando minha atenção.
“…”
[Alerta do Sistema: Tempo restante até a posse completa pelo demônio: 4 anos.]
“Sigh!”
Enquanto suspirava, eu estava me perguntando como iria superar isso.
A primeira vez que vi o aviso, não o tinha levado a sério. Uma parte de mim ainda não acreditava que aquele mundo era real.
Sabendo que aquela seria minha vida daquele dia em diante, a ameaça se tornava real, palpável.
O demônio que deu poderes a Evan tinha um preço: o corpo de Evan como seu receptáculo futuro.
Nota Autor: