Thanatos: O Fardo da Honra - Capítulo 15
Por dias, Izi tentou de todas as formas arrancar de mim o que estava gravado nas linhas da espada.
— Muito formal, você nunca escreveria uma dedicatória assim.
No começo tentei seguir e confirmar a mesma história, mas ela nunca acreditava. Por fim, a cada interrogatório eu inventava algo novo.
A maioria das vezes ela ficava chateada e frustrada, contudo não durava mais que algumas refeições, logo passava. Ela era assim, perdia a cabeça muito rápido, contudo esquecia mais rápido ainda.
Após inúmeras tentativas ela desistiu, e isso me deixou aliviado.
Eu queria contar o que estava escrito, queria declarar que estava completamente apaixonado por ela. Que pensava a cada segundo em beijar sua boca, que dormia e acordava pensando em seu cheiro. Que lutaria contra tudo e todos para tela em meus braços, mas por algum motivo não conseguia.
Já fazia algum tempo que Izi não me perguntava sobre as malditas linhas. Pensei que ela estivesse esquecida, erro meu. Ela estava procurando em outras fontes, minha mãe.
E na primeira oportunidade ela me esperou na soleira da casa.
— Temos que conversar, Kan.
Acenei com a cabeça e me dirigi a cozinha. era o lugar onde ela mais gostava de fazer essas incursões. sentei na mesa e esperei o pior.
— Izi me mostrou a dedicatória na espada que você deu a ela.
Ela continuou.
— Você não pode continuar com isso meu filho. Seu pai foi muito claro, não quebre o juramento.
— Isso não é justo. Todo mundo pode pagar o dote e escolher uma Promised, menos eu?
— Seu pai já te explicou meu filho.
— Quem é ela mãe?
— Eu não sei. Seu pai nunca me disse, mas isso não muda nada.
Ela estava certa, não havia mais o que dizer. Nada poderia mudar minha promessa.
Eu dei minha palavra e iria mantê-la.
Era isso que um homem deveria fazer, manter sua palavra, custe o que custar. Abaixei a cabeça e não disse mais nada.
Passei quase a noite toda fazendo planos mirabolantes de como não me casar com uma pessoa que não fosse a Izi. Tive o disparate de desejar a morte da minha pretendente. Bem infantil da minha parte, mas quando se está apaixonado nada disso importa.
“Poucas coisas valem mais que a palavra de um homem, suas terras não valem, suas riquezas não valem, sua vida não vale, sua honra não vale. Se não fosse assim como seria o mundo, onde o que se fala não vale nada.
Onde não há confiança predomina o caos e onde predomina o caos não é lugar para homens.”
Meu pai sempre dizia isso, talvez com outras palavras.
A partir deste momento tentei ficar o mais longe possível da Izi. Sempre inventava um motivo para não ficar perto dela. O ferreiro já estava a treinando “adequadamente” como ele dizia, então ela tinha poucas oportunidades de ficar comigo.
No começo ela não se importou, porém com as contínuas desculpas. Ela perdeu a paciência.
— Você está me evitando, Kan?
— Claro que não, Elizabete.
— Meu nome não é Elizabete, você sabe muito bem! — seu olhar endureceu.
— Não? Eu pensei que fosse. — Perguntei cinicamente.
Eu era um dos poucos que sabia seu verdadeiro nome, ela me confiou quando ainda éramos crianças.
Seu pai a proibiu de contar para qualquer pessoa. Porém, ela me contou muito mais que isso. Izi não tinha muitas lembranças, mas dizia que sua mãe era linda, tão bela que a própria nix a invejava.
Também recordava de uma casa estranha que ficava dentro de uma grande árvore, mas a sua não era a única, toda a vila era assim. Ela dizia lembrar de sonhos estranhos, tão reais que duvidava que fossem sonhos, mas tão incríveis que mesmo acordada não acreditaria.
Quando ela me contou seu nome, me fez jurar que nunca contaria para ninguém, sua vida dependia disso. Seu pai sempre dizia, ninguém poderia saber seu nome, ninguém. Esse assunto era tão sério entre a gente que quase nunca o pronunciava.
Ela me contou seu nome, tudo que ela lembrava, até seus sonhos estranhos e sem sentidos. E eu menosprezei tudo que ela disse, chamando-a de Elizabeth.
A partir deste dia ela me evitou e eu a ela.
E assim muitos dias e noites passaram. O ferreiro vendo minha completa submissão ao trabalho começou a tratar-me diferente.
— Muito bom garoto — ele observava a espada que eu estava fazendo. Uma pontada de orgulho brilhou em seus olhos.
— Parece que você resolveu virar homem, está trabalhando muito bem. Parou de perder tempo com brincadeiras de criança e principalmente parou de arrastar suas asas para minha filha.
Senti um frio seco na barriga, ele continuou.
— Não esperava tanto empenho, realmente terei que cumprir o trato com seu pai, você se mostrou digno.
Ele virou as costas e saiu, não disse mais nada. Pensei sobre o que seria esse trato, mas eu não tinha a mínima ideia.
Esdom tinha motivos para estar orgulhoso, eu tinha passado de um infortúnio aprendiz para um prestativo ajudante. Trabalhava com intensidade, não fugia como sempre fazia desde meus tempos de criança, mas procurava ser o mais prestativo possível.
Comecei a passar horas e horas na forja trabalhando em meus próprios projetos. Tentava entender os desenhos dos livros que meu pai sempre trazia. Alguns não tinham utilidade, mas outros prometiam milagres prodigiosos.
Muitos eu não conseguia entender a complexidade dos objetos e as explicações não faziam sentido. Contudo isso me ocupava e me deixava longe da izi.
Os treinos com a espada e escudo não era mais um incômodo ou uma forma de me punir pela tentativa de beijo.
Esdom, não ficava mais tenso e preocupado como sempre se mostrava desde minhas mais antigas lembranças de treinos, ele se divertia e eu também.
— Muito bom, garoto.
Eu acabara de aparar um golpe que a alguns meses atrás seria impossível. Não era fácil competir com a força do ferreiro. Tinha aprendido isso ainda quando criança, mas anos de forja e treinos me faziam quase um adversário à altura.
— Meus braços ainda formigam. — Resmunguei envergonhado.
Esdom riu como nunca tinha visto antes, alto e compassado, como se estivesse incrédulo sobre o que escutará.
— E o que você esperava, Cocegas? A horas estamos treinando e você poucas vezes abaixou o braço do escudo, acha que eu não fiz um único ataque baixo porque, garoto?
Fiquei de boca aberta, eu tinha feito o que ele queria, não baixava mais o braço do escudo. Ele fez tantos ataques altos que inconscientemente acreditei que não mais faria e mantive o escudo alto já esperando seu ataque.
Se isso fosse uma luta, eu estaria morto. E o mais vergonhoso era que eu tinha ensinado isso para a izi.
— Você tem ainda muito a aprender, mas somente a guerra o ensinará. Nada como a experiência, garoto. Nada como a experiência.
Ele parou, abaixou os braços e sentou no chão. Eu fiquei pensando como ele tinha mudado. Ele era como um pai para mim. Ele era ríspido, grosso, direto e violento, mas eu sempre acreditava que ele fazia isso para meu bem.
“A vida é dura garoto, e mais dura ainda é a guerra, então para de choramingar”
Ele sempre dizia isso quando me via molejar com seus treinos. A partir do momento que comecei a levar a forja a sério ele mudou.
A forja era seu altar e o ferro seu deus. E quando eu não mostrava respeito e admiração era como se estivesse menosprezando o ferro e o fogo.
— Já estou velho garoto, só tenho uma filha, não tenho filho homem, então terei que me contentar com você.
Ele falou isso enquanto me aproximava para sentar ao seu lado.
— O que mais você tem para me ensinar que já não tenha feito.
— Garoto, você já é o melhor ferreiro que essa vila já teve, mas de onde eu vim você não serve nem para buscar a lenha na forja.
Fiquei surpreso, essa foi a primeira vez que ouvi o ferreiro falar da sua vila. Então prestei muita mais atenção. Porém ele só disse isso. Levantou-se e caminhou para a direção da casa. Eu o segui calado.
Ele parou bem em frente da casa e disse:
— Me espera na forja tenho algo para mostrar.
Fiz como ele mandou dei meia volta e fui em direção da forja de cabeça baixa. Não pensava em nada em especial, mas.
Primeiro senti o perfume, depois meu coração acelerou, minha respiração se intensificou. Minha alma agarrando-se a aquele cheiro com todas as forças, somente isso poderia explicar a explosão de sentimentos.
O frio na barriga veio em seguida. Com muito pesar prendi a respiração e apertei o passo ainda de cabeça baixa. Não sei quantos passos, nem em que direção. Contudo levantei os olhos poucos sentimentos antes de esbarrar em algo.
Por surpresa ou necessidade respirei profundamente, como se estivesse acabado de prender a respiração por minutos embaixo d’água, e estivesse a ponto de morrer.
O cheiro de rosas preencheu minha mente. Eu não conseguia imaginar como poderia viver sem aquilo. Contudo quando meus olhos encontraram aqueles olhos, nada mais importava.
Izi estava linda, poderia tentar descreve-la, porém temo em não fazer jus a sua beleza, e naquele momento ela poderia estar coberta de lama, que mesmo assim seria a mais bela. Mas não foi este meu pensamento no momento. Aquela criatura que estava diante dela não era eu.
O ser respirava profundamente, ele não poderia perder nem mesmo um segundo daquele aroma que o fascinava e enlouquecia. Tantas perguntas que eu não tinha respostas já não faziam sentido.
“Por que eu não poderia tela para mim?”
“Quem falou que eu não poderia?”
“Quem ousou me proibir de possuir a mais belas dos anjos! Quem?”
“Meu pai!”
“Ele vai morrer se tentar me impedir.”
“Morrer”
“Eu a terei agora e para sempre. Não preciso mais lutar; posso fazê-la minha, aqui e agora.”