Reencarnação Maldita - (Novel) - Capítulo 436
Capítulo 436
A Falsa (1)
Já havia passado mais de meio ano desde que Melkith atravessou o deserto como parte de um acordo para conseguir um contrato com o Rei Espírito do Vento.
Melkith havia passado sua infância árdua em uma pequena vila de montanha em um país menor. Os primeiros anos passados escalando montanhas, lavando-se em riachos e até mesmo capturando e assando sapos e insetos a tinham dotado de uma vitalidade robusta. Mesmo que o deserto árido estivesse longe de ser confortável, era suportável graças à sua experiência na infância.
Normalmente, Melkith vivia sob as areias do deserto, mas ela nunca ficava na mesma toca por muito tempo.
Nos últimos seis meses, ela havia enterrado inúmeros magos negros, um número que agora ultrapassava centenas. Ela sabia muito bem que não estava carente de inimigos.
Embora o Sultão de Nahama não tivesse abordado publicamente o assunto de sua caça aos magos negros, ele havia enviado esquadrões de assassinos e xamãs da areia atrás dela. Além disso, começando dois meses atrás, as tropas militares de Nahama vinham vasculhando o deserto sob o pretexto de treinamento. Mesmo que dissessem que estavam treinando, era evidente que estavam procurando alguém.
Mas era tudo em vão. Melkith estava sob a proteção de Yhanos, o Rei Espírito da Terra, o que significava que o vasto deserto não passava de um simples parque de diversões para ela. Ela já havia escapado e até mesmo brincado com seus perseguidores várias vezes enquanto continuava a procurar as masmorras dos magos negros.
No entanto, encontrar as masmorras havia se tornado desafiador ultimamente. Mais precisamente, mesmo que encontrasse a masmorra, encontrar os próprios magos negros havia se tornado difícil. Após várias tentativas fracassadas, ela chegou à conclusão de que os mestres das masmorras finalmente cederam. Melkith deduziu que eles provavelmente tinham abandonado suas tocas em busca de refúgios mais seguros em outro lugar.
Nesse caso… havia algum sentido em permanecer no deserto agora? Embora a vida ali não fosse insuportavelmente desconfortável, Melkith se pegava ansiando pela cidade de Aroth depois de residir no árduo deserto por seis meses.
Ela sentia falta da Torre Branca, assim como de seus magos leais e amados. Ela ouvira dizer que a Sábia Sienna estava reunindo todos os Arquimagos do continente para um projeto de pesquisa conjunto. Melkith sentia uma profunda tristeza por não poder se juntar a eles.
Ela havia apelado para Eugene várias vezes, perguntando se talvez não fosse o momento perfeito para ela retornar. Mas… a posição de Eugene permanecia firme. Mesmo que demônios de alto escalão tivessem cruzado para o deserto, a situação não havia mudado e, portanto, ele insistia que ela permanecesse e continuasse fazendo o que estava fazendo até que houvesse uma mudança significativa.
— O que devo fazer? — Melkith sussurrou enquanto colocava um grande chapéu.
Ela estava atualmente residindo na cidade oásis de Lagra, um resort renomado em Nahama. Apesar de sua localização no coração do deserto, o oásis artificial era tão vasto quanto um grande lago. Além disso, a água não era apenas limpa e clara, mas também refrescante e fresca.
Por que ela estava lá? Era simples — ela estava se recompensando por seu trabalho árduo.
Já haviam se passado três dias desde que ela chegara à cidade, e havia passado seu tempo descansando em uma espreguiçadeira perto do oásis, em um biquíni chamativo enquanto exibia seu corpo. Como ela já estava no deserto, estava considerando seriamente pegar um bom bronzeado e mudar sua imagem.
Enquanto ela continuava com a atividade que estava fazendo nos últimos dias, ela viu um demônio.
Verdade seja dita, não era extremamente raro ver demônios fora de Helmuth.
Helmuth era uma nação altamente desenvolvida, e outros países no continente quase não tinham leis relativas aos povos demônios. Eles raramente aceitavam imigrantes demoníacos, então havia menos demônios em outros países em comparação com Helmuth. No entanto, em Aroth, havia alguns demônios que ficavam por períodos prolongados sob o disfarce de turismo.
Era o mesmo no Oásis Lagra também. Era um resort famoso em Nahama, então havia os ocasionais turistas demônios. Melkith não podia ter certeza se eles eram verdadeiros turistas ou residentes ilegais que usavam o turismo como pretexto, mas não era de sua conta. Havia muitos demônios sem status legal em lugares como a Rua Bolero de Aroth, então fazia sentido haver demônios não documentados em Nahama, já que era um país que colaborava com demônios.
No entanto, os demônios que Melkith havia visto em Nahama, pelo menos, nesta cidade até agora — embora possa ser um pouco estranho dizer — eram demônios comuns. Para dizer claramente, eram apenas cidadãos demônios comuns.
Mas este demônio em particular era diferente. Ela podia sentir uma distinção natural em sua classe em comparação com outros demônios. Não era apenas Melkith que sentia isso. Outros também prendiam a respiração enquanto recuavam no momento em que o demônio aparecia. Estavam tão intimidados que não conseguiam encarar ou apontar.
O demônio realmente emanava uma presença avassaladora que naturalmente dominava seu entorno. Este era definitivamente um demônio de alto escalão, uma existência claramente diferente do demônio médio que Melkith havia visto até agora.
No entanto, a aura que o demônio exalava não era a única razão para sua presença dominadora.
O demônio era o Conde Harpeuron, classificado em quinquagésimo sétimo na hierarquia de Helmuth. As críticas vívidas que Melkith havia desencadeado anteriormente não eram nem um pouco exageradas.
O demônio tinha uma constituição robusta e aparência grotesca. Ele era facilmente duas vezes o tamanho de um homem adulto, e seu corpo era de certa forma semelhante em aparência aos humanos, exceto que tinha a cabeça de um elefante. Suas orelhas caídas tremulavam como asas de inseto, e seus quatro olhos emitiam um brilho vermelho sinistro.
O que era especialmente raro de se ver era que Harpeuron estava vestido apenas com uma sunga que cobria sua virilha. Ele usava uma sunga justa e estava acompanhado por mulheres ao lado e atrás dele. Vários homens grandes, aparentemente seus assistentes, estavam perto dele também.
[Melkith,] sussurrou Yhanos.
— Eu sei. — Respondeu Melkith.
Os homens que seguiam Harpeuron também tinham uma aura incomum sobre eles.
Alguns pareciam assassinos, enquanto o resto parecia guerreiros. Melkith havia ouvido dizer que demônios de alto escalão tinham vindo para Nahama, mas ela não esperava encontrá-los em um lugar como este.
“Eles vieram me capturar?” Melkith pensou consigo mesma.
Embora tivesse mudado seu rosto com magia para permanecer irreconhecível, Melkith se sentia nervosa. Ela colocou seus óculos de sol e se levantou.
Nunca imaginou que encontraria ele em um local turístico como este! Ela havia assumido que se eles alguma vez se encontrassem um dia, seria no meio do deserto.
Também era possível que isso fosse mera coincidência. A visão de Harpeuron cercado por belezas e vestindo uma sunga triangular dava credibilidade à ideia de coincidência.
Mas Melkith não poderia simplesmente ficar parada mesmo se tivesse encontrado ele por acaso. Ela passou o tubo e a prancha de surfe empilhados ao lado da espreguiçadeira e se dirigiu para o vestiário o mais naturalmente possível.
— Eugene! Eugene! Temos um grande problema!
Melkith atravessou para o fundo do vestiário, fora da vista de Harpeuron, e invocou o espírito do vento.
[O que te deixou em pânico?] ele respondeu calmamente.
— Demônios! — Melkith gritou. — Aquele que ameaçou me matar! Aquele monstro feio apareceu!
Eugene não deu uma resposta imediata. Em vez disso, Melkith ouviu o som de seus lábios batendo. O leve som transmitia um sentimento de relutância, e a expressão de Melkith azedou junto com ele.
[Só?] perguntou Eugene.
— Hã? Claro que estou só. Ah… não, não estou. Os espíritos estão comigo. — Melkith corrigiu suas palavras rapidamente, temendo ser acusada de ignorar os espíritos.
[Não, não você, Senhora Melkith. Eu quero dizer, Harpeuron. Esse desgraçado está só?] Eugene esclareceu.
— Quê? Não, não, ele não está sozinho. Apesar de sua aparência monstruosa e horrível, ele está acompanhado por quatro beldades. E atrás dele estão guerreiros e assassinos como seus assistentes. — Respondeu Melkith.
[Não há outros demônios?] indagou Eugene.
— Não. — Respondeu Melkith.
Após um breve silêncio, o espírito do vento transmitiu a voz de Eugene, [Então você deveria ir e cumprimentá-lo.]
— O quê? — Perguntou Melkith, certa de que havia entendido mal.
[Cumprimente-o, eu disse,] Eugene repetiu.
— O quê? Você deve estar brincando! Harpeuron é um demônio do quinquagésimo sétimo escalão que jurou me matar! Você acha que esse demônio temível responderá gentilmente aos meus cumprimentos? Ele virá me matar! — Exclamou Melkith.
[Esse é precisamente o ponto,] Eugene respondeu como se estivesse esperando Melkith dizer essas palavras.
— O que você quer dizer precisamente? V-Você não sabe como Harpeuron é. Ele tem a cabeça de um elefante, até mesmo dois troncos! Você quer que eu seja um brinquedo para essas trombas retorcidas e morra? — Gritou Melkith.
[Não… Senhora Melkith, acalme-se. Alguém tão forte como você não pode ser morta por um demônio meramente classificado em quinquagésimo sétimo lugar,] Eugene disse tentando acalmá-la.
— Ha! Considerando que nem é sua vida, você está falando muito descuidadamente. Se eu vivo ou morro, só saberemos tentando. — Retrucou Melkith.
[Eu acredito em você, Senhora Melkith,] assegurou Eugene.
— Eu também acredito em mim mesma. — Respondeu Melkith fazendo beicinho.
Apesar de suas palavras dramáticas, Melkith não realmente achava que era mais fraca que Harpeuron. Mas o fato de seu oponente ser um demônio de alto escalão classificado em quinquagésimo sétimo lugar e um Conde do Império Helmuth a deixava um pouco tensa. Ela havia lutado contra magos negros e monstros, mas nunca contra um demônio de alto escalão.
— Você está falando sério, não está? Você realmente quer que eu vá cumprimentá-lo. — Disse Melkith após uma pausa.
[Se aquele patife te reconhecer, ele tentará te matar, certo?] perguntou Eugene.
— Provavelmente. — Respondeu Melkith.
[Se isso acontecer, você não pode simplesmente ficar parada e deixar acontecer, certo? Se ele tentar te matar, você deve retaliar,] disse Eugene.
— Devo, certo? — Disse Melkith incerta.
[Se você matar Harpeuron, poderá retornar para Aroth,] disse Eugene.
A expressão de Melkith mudou ao ouvir suas palavras.
— Mesmo?
[Seria bom interrogá-lo antes de matar, se possível,] acrescentou Eugene.
— Vou te chamar mais tarde. — Com estas palavras de despedida, Melkith encerrou a conversa ao dispersar o vento, sorrindo largamente.
Finalmente!
Ela finalmente seria capaz de deixar este deserto detestável e retornar a Aroth. Deveria se despedir de Balzac antes de partir?
Melkith considerou o pensamento por um momento, mas já fazia mais de dois meses desde que ela havia visto Balzac pela última vez. O mago negro suspeito havia se movido tão furtivamente e escondido sua toca tão bem que Melkith não tinha como contatá-lo.
Não havia necessidade de se despedir. Mesmo um cumprimento sem segundas intenções poderia levar a terríveis mal-entendidos com aquele homem sombrio. Melkith deixou de lado os pensamentos sobre Balzac e ponderou sobre como se aproximar e matar Harpeuron.
— Ahem.
Parecia que não havia necessidade de se preocupar afinal. Melkith olhou para cima.
Bruuum…!
Uma escuridão negra e turbilhonante estava se reunindo no céu claro. A fonte dessa escuridão estava bem acima de Melkith como seu centro.
— Hmm… — Melkith murmurou considerando. Então, ela tirou seu grande chapéu, empurrou ligeiramente seus óculos de sol para cima e mostrou um sorriso desajeitado antes de perguntar. — Como você soube?
— Você não acha que está me subestimando um pouco demais? — Enquanto Harpeuron falava, seus dois troncos se contorciam como tentáculos.
Melkith não tinha certeza se eles eram realmente troncos, mas as presas escuras de cada lado pareciam confirmar que ele era de fato elefantino.
Harpeuron continuou.
— Você escondeu bem seu poder, mas a presença dos espíritos não pode ser completamente ocultada.
Será que ela se revelou ao convocar o espírito do vento? Ela havia sido tão cuidadosa em seus preparativos e vigilância.
[O quinquagésimo sétimo escalão não é baixo. Melkith, sua cautela foi admirável, mas a perspicácia deste demônio é igualmente formidável,] Yhanos advertiu.
[Eu não desejo lutar aqui. Há muitos inocentes por perto,] disse Levin.
[Me invoque! Minhas chamas reduzirão esse demônio terrível a cinzas!] Rugiu Ifrit.
Os três Reis Espíritos expressaram suas opiniões. Melkith concordou com Levin. Ela também não queria caçar demônios no meio desta pacífica cidade resort. Melkith olhou para Harpeuron com um sorriso bajulador enquanto avaliava o poder que girava ao seu redor. O céu estava começando a escurecer.
— Então… nós estamos nos conhecendo pela primeira vez, certo? Troncos muito bonitos. — Disse Melkith.
— Melkith El-Hayah. — Harpeuron cuspiu seu nome.
Foi um encontro acidental.
Embora ele tivesse vindo de Helmuth para Nahama, não tinha planos de declarar guerra imediatamente. O ritual de se tornar o Rei Demônio tinha que ser supervisionado por Amelia Merwin, e ela ainda não havia se mostrado.
O Sultão não parecia estar considerando guerra, mas isso não era preocupação de Harpeuron ou dos outros demônios. Se Amelia Merwin chegasse e os demônios o pressionassem, o Sultão, apesar de sua relutância, não teria escolha a não ser começar a guerra.
Harpeuron pretendia desfrutar de seu relaxamento até esse dia chegar. Mal sabia ele que encontraria Melkith El-Hayah, a quem havia jurado matar, nesta cidade.
Ele ouvira dizer que Melkith não tinha deixado Nahama e ainda estava causando problemas no deserto. Até o Sultão mencionara Melkith pelo nome, pedindo-lhe para deter sua violência no lugar de seus soldados ineptos.
— Eu não esqueci os insultos que você me lançou. — Os olhos de Harpeuron se torceram de raiva.
Melkith deu um passo cauteloso para trás. Seu longo cabelo preto tornou-se prateado enquanto encurtava, e seus olhos voltaram ao azul original. — Hmm… vendo você pessoalmente, parece muito… melhor do que antes. — Ela murmurou.
— Eu não vou te matar aqui. — Disse Harpeuron.
Crack, sizz!
Um poder negro imenso envolveu Harpeuron.
— Há muitos outros que também querem te ver morta…! Eu vou te torturar primeiro, deixar você implorar pela morte… depois de infligir bastante dor… então…
— Kyaaah! — Melkith gritou, não tanto de medo pela cena, mas como uma artimanha para interromper o foco de Harpeuron e dispersar sua atenção.
Boom!
Melkith pisou no chão.
Crack!
A terra se ergueu como uma lança maciça e avançou em direção a Harpeuron. O próprio ataque não representava uma ameaça; o imenso poder negro facilmente fez a lança de terra se despedaçar. No entanto, a sujeira e a areia dispersas se reagruparam e obscureceram a visão de Harpeuron.
Ao mesmo tempo, Melkith foi impulsionada para cima. A mão de Yhanos a lançou para o alto, enquanto o raio crepitante de Levin se enrolava ao redor dela. Melkith estava envolta em relâmpagos enquanto rasgava o céu escurecido.
— Melkith El-Hayah! — Harpeuron rugiu com fúria.
Ela estava tentando escapar?
Harpeuron afastou a cortina de sujeira que o envolvia, mas imediatamente foi envolto por chamas ardentes. No entanto, nem mesmo isso era uma ameaça para ele. O corpo do demônio de alto escalão era invulnerável a tais chamas. Harpeuron esnobou e se moveu rapidamente.
— Você acha que pode fugir? — Ele gritou atrás dela.
Harpeuron acelerou com uma velocidade incrível para o seu tamanho e perseguiu Melkith. Ele a seguiu enquanto contemplava como humilhar essa humana presunçosa.
— Fique longe! — o grito de Melkith ecoava ao longe. Para Harpeuron, aquele grito era tão doce quanto uma memória esquecida há muito tempo, pois na presente Helmuth, os gritos dos humanos eram raros. Ele ficou animado ao reduzir a distância entre eles.
* * *
Eles já haviam deixado a cidade para trás, o que era bastante conveniente para Harpeuron. Ele não se importaria em se entregar ao massacre sem se preocupar com seus arredores, mas infelizmente, ainda não era hora para isso.
“Eu vou me controlar por hoje,” pensou Harpeuron.
Crack!
O relâmpago atingiu o deserto. Melkith havia desistido de sua fuga? Ou ela estava planejando fugir para debaixo da terra? Harpeuron desceu com um sorriso de deboche.
Flash!
Mas naquele momento, um feixe de luz explodiu. Uma coluna de fogo vermelho disparou para cima, e dezenas de raios caíram do céu. O deserto tremeu como um terremoto, e o terreno arenoso se virou completamente.
Mesmo Harpeuron foi pego de surpresa por esse fenômeno repentino, e ele desistiu de tentar pousar. Rapidamente subiu de volta para o céu.
Crack, sizz!
Mana imensa se transformou em uma tempestade. Fogo, relâmpago e o poder da terra se fundiram com a mana e se tornaram um só.
— Fusão Espiritual.
O gigante espiritual se ergueu.
— Força Infinita…!
Não havia necessidade de palavras longas. Melkith recorreu à sua Assinatura desde o início e se transformou. Ela lançou seu punho em direção a Harpeuron.
— Punho de Fogo!
Harpeuron explodiu como um balão.