Reencarnação Maldita - (Novel) - Capítulo 202
Capítulo 202: A Câmara de Audiências (3)
Acostumar-se a alternar entre diferentes consciências era mais fácil falar do que fazer. Enquanto sentia uma leve tontura, Kristina balançou a cabeça.
— Você está realmente bem com isso, Lorde Raphael? — Kristina perguntou enquanto olhava para as costas de Raphael, que assumiu a liderança para guiá-los ao Cofre das Relíquias Especiais como se fosse natural para ele fazer aquilo.
Não havia uma única gota de sangue visível na grande espada pendurada em suas costas. Kristina ainda se lembrava vividamente de como aquela lâmina ferozmente afiada acabara de decapitar o cardeal Pietro.
— O que você quer dizer com isso? — Raphael perguntou em um tom que parecia genuinamente confuso.
Kristina limpou a garganta suavemente e acrescentou uma explicação:
— Lorde Raphael, não importa como as coisas tenham acontecido, ainda há o problema de você matar o cardeal Pietro com sua espada, certo? Embora eu tenha obtido o acordo do Vaticano para cooperar com Sir Eugene e comigo sobre o assunto, mas quanto a você…
— Ah, não há necessidade de se preocupar com isso, Senhorita Santa. — Raphael assegurou-lhe, não mais se dirigindo à Kristina pelo título de Candidata a Santa.
Raphael a viu abrir oito asas bem na frente dele, e ele também a viu enviar seu punho voando para o lado da cabeça do Papa. Portanto, embora não pudesse ser evitado que Kristina realmente não gostasse disso, Raphael honestamente não conseguia pensar em um título aceitável para chamá-la que não fosse ‘Santa’.
Raphael explicou:
— Se me dispensarem agora, os Cavaleiros da Cruz de Sangue não têm atualmente nenhum talento que possa me substituir. Especialmente se ouvirem a repreensão da Santa imediatamente, eles certamente perderão muitas relíquias sagradas e milagres relacionados… O poder de Yuras terá diminuído bastante quando eles terminarem com isso.
— Bem… Não tem jeito mesmo. — Kristina murmurou em compreensão.
— Sendo assim, essa é mais uma razão pela qual o Papa não pode se dar ao luxo de me disciplinar oficialmente. No momento, cavaleiros de todos os países estão se preparando para se reunir na ‘Marcha dos Cavaleiros’ que está marcada para o próximo ano, mas se eu for demitido ou tiver que ficar em reclusão devido a uma doença repentina ou qualquer outra circunstância inevitável, quem no mundo seria deixado para liderar os Cavaleiros da Cruz de Sangue para fazer um nome para Yuras na Marcha dos Cavaleiros?
A Marcha dos Cavaleiros era a Conferência da Unidade que o Imperador de Kiehl organizou para reunir as várias ordens de cavaleiros. O objetivo declarado era reunir os mais poderosos de cada país, dando-lhes um palco para se compararem e promovendo a camaradagem. Mas a verdadeira intenção era responder ao ‘aviso’ dado pelo Rei Demônio do Encarceramento e pelo povo demoníaco de Helmuth, o aviso destinado ao mundo inteiro.
Mesmo que não servisse como uma mensagem como o Imperador pretendia, reunindo os mais fortes de cada país, a Conferência da Unidade ou a Marcha dos Cavaleiros serviria como uma grande demonstração de força. Esta era pacífica sem guerras durava muito tempo agora. Muitos cavaleiros foram considerados entre os melhores dos melhores, mas quem exatamente era o melhor e o mais forte ainda não havia sido decidido.
Não eram apenas os cavaleiros mais jovens de sangue quente que estavam entusiasmados. A maioria dos cavaleiros também sentia um fogo se acender dentro deles ao pensar em um lugar onde poderiam desembainhar suas espadas, girá-las e comparar umas com as outras. Esta seria uma competição de classificação entre os diferentes países, não, entre as diferentes ordens de cavalaria. Sob a superfície, o recrutamento já deveria estar ocorrendo. Como era óbvio que tais coisas aconteceriam, Yuras não iria simplesmente jogar fora seu Cruzado, o maior cavaleiro do Império Sagrado.
— Ouvi dizer que a localização da Marcha dos Cavaleiros ainda não foi decidida, mas ouviu alguma novidade, Lorde Raphael? — Eugene perguntou.
— Não é natural que o imperador de Kiehl queira realizar a Marcha dos Cavaleiros em seu país? O mesmo vale para Yuras também. — Raphael encolheu os ombros com um sorriso. — No entanto, é quase certo que o evento será ambientado em Ruhr. É por isso que o Papa queria atrasar o Rei Besta, mesmo que isso significasse usar truques desprezíveis.
O Cofre das Relíquias Especiais do Vaticano também estava localizado no porão do Palácio Branco, assim como a Câmara de Audiências. Os bispos e arcebispos eram autorizados a entrar nos outros Cofres de Relíquias, desde que tivessem permissão, mas apenas o Papa e os Cardeais de gerações sucessivas eram autorizados a entrar no Cofre de Relíquias Especiais.
Eles chegaram em frente ao Cofre das Relíquias Especiais estritamente guardado, mas não havia ninguém para impedi-los de entrar. Os paladinos responsáveis por guardar este andar já haviam abaixado a cabeça e recuado por conta própria antes que Raphael pudesse dizer qualquer coisa. A telepatia era um dos feitiços de nível mais alto na magia divina. Mesmo que seus estigmas fossem implantados artificialmente, o poder sagrado do Papa era indiscutivelmente incomparável, então ele deve ter enviado telepaticamente uma ordem a todos os Paladinos que guardavam o Palácio Branco.
— Permita-me deixá-los aqui. — Raphael disse enquanto seus passos paravam. — Embora eu também esteja curioso sobre o que está contido no Cofre das Relíquias Especiais… Ainda não é apropriado para mim, acompanhá-los lá dentro e ver eu mesmo. Vou me despedir de vocês e voltar para os Cavaleiros da Cruz de Sangue.
— Obrigado por nos acompanhar. — Disse Kristina com uma rápida oração de agradecimento, apenas para Raphael rir e se ajoelhar.
— Foi uma honra poder participar desse evento histórico com você, Senhorita Santa. Por favor, rezarei para que a Luz brilhe sobre todos os empreendimentos da Santa.
Com essas palavras finais, Raphael deu meia-volta e saiu.
Eles seguiram por um corredor vazio, no final do qual havia uma porta circular branca. Kristina se dirigiu para a porta, esfregando no dedo o anel de platina que agora usava.
Uma lacuna complexa se espalhou pela porta enquanto ela segurava o anel. Então a brecha se abriu silenciosamente, formando um caminho largo o suficiente para as pessoas passarem. Esta era uma aplicação de alto nível de magia de segurança, comparável ao cofre do tesouro do clã Lionheart. Eugene seguiu Kristina até o Cofre das Relíquias Especiais.
— Então, o que exatamente você veio procurar aqui? — Eugene perguntou enquanto olhava para as costas de Kristina.
— Estamos aqui para verificar se os restos mortais da irmã ou das outras santas foram deixados aqui como relíquias sagradas. — Respondeu Kristina.
— Irmã? — Eugene repetiu com uma expressão duvidosa, apenas para Kristina bater com a mão nos lábios em surpresa alarmada.
Kristina tossiu.
— A-Ahem. Senhorita Anise, você é muito travessa. Seria bom se pudesse pelo menos me avisar antes de pegar meus lábios emprestados para falar…
[Eu não fiz nada, então por que você está tentando me culpar?] Anise reclamou.
“Irmã, por favor.”
[Kristina. Não posso deixar de me sentir muito desapontada com as ações que você acabou de mostrar. Parece que pretende me usar como desculpa para encobrir seus erros, e até me usar como bode expiatório quando sentir vontade de satisfazer seus desejos obscuros, não é mesmo?]
“Desejos obscuros…? O que diabos isso significa—”
[O que me preocupa é algo assim. Kristina, você não ficará tentada a fingir ser eu e beijar Hamel com sua própria lín—]
— Ahem! Coff! Ahem! — Kristina teve um ataque de tosse, batendo no peito como se tivesse algo preso na garganta.
Ao mesmo tempo, dezenas de orações estavam sendo recitadas em sua cabeça ao mesmo tempo. Como Kristina estava indo tão longe a ponto de abafá-la, Anise também recuou e parou de falar sobre aquelas coisas com Kristina.
— Você está bem? — Eugene perguntou preocupado.
— Sim, estou bem. — Respondeu Kristina, sorrindo como se nada estivesse errado. — Embora tenham dito que as relíquias sagradas das gerações anteriores já foram devolvidas à Luz, se houver outras relíquias sagradas que não deveriam estar aqui, farei o sacramento para devolvê-las à Luz. Também…
Kristina levantou a cabeça e olhou ao redor do interior do cofre.
— Ainda há a questão dos pertences da Senhorita Anise. — continuou Kristina. — Alguns deles deveriam estar guardados aqui, então precisamos recuperá-los.
Embora devolver quaisquer restos sagrados à Luz também fosse importante, recuperar os pertences de Anise era seu verdadeiro propósito ao entrar no Cofre das Relíquias Especiais.
Eles não eram apenas meros pertences. Os pertences da Fiel Anise eram, em certo sentido, mais valiosos do que os restos mortais dela ou de qualquer outra santa.
[Especialmente se for você,] Anise insistiu. [Porque meus pertences armazenados aqui… Todos foram usados durante minhas viagens pelo Domínio Demoníaco trezentos anos atrás.]
Várias relíquias foram armazenadas no cofre de relíquias especiais. Ou melhor, elas costumavam ser armazenadas lá. A maioria dos armários de vidro, que antes continham relíquias dentro deles, agora estava vazia.
Olhando para esta visão, Eugene cerrou o punho firmemente antes de relaxá-lo. Essas caixas de vidro vazias o lembravam do filtro que vira na nascente da Fonte de Luz. Além do fato de que não havia água fluindo ali, não havia muita diferença. Originalmente, as relíquias sagradas das antigas santas devem ter sido armazenadas dentro dessas caixas de vidro.
Quanto aos itens que não desapareceram…
A partir dos ossos, havia várias outras categorias de itens. Os ossos eram restos mortais de santas comuns, e não das santas. Além dessas, além das cruzes, contas, rosários e outros itens sagrados, havia várias armas, como adagas.
— Hoho. — Eugene soltou um breve suspiro de admiração enquanto seguia Kristina. — Também deixaram isso aqui? Que sorte.
Em vez de ser mantido dentro de um dos armários de vidro comuns, o item que Eugene notou foi erguido em um pilar feito de ouro.
Embora parecesse bem gasto, a maça estava sutilmente manchada com um tom preto e avermelhado. Enquanto Anise fazia bom uso dela trezentos anos atrás, esta arma cruel quebrou as cabeças de inúmeros demônios.
Kristina hesitou.
— E-Eu não tenho confiança para manejar uma maça tão bem quanto a Senhorita Anise, mas…
[Se você remover a ponta e conectá-la ao cabo com uma corrente, poderá usá-la como um mangual] aconselhou Anise.
A mão de Kristina se estendeu como se estivesse possuída e ergueu a maça.
Era pesada.
Kristina também aprendeu a manejar um mangual desde tenra idade e tinha confiança em sua força, mas a maça de Anise era muito pesada para ela segurar com uma mão.
[Se não fosse tão pesada, não seria nem capaz de quebrar a cabeça de um demônio] disse Anise. [Este artefato foi preparado para mim quando eu ainda era criança e foi feito esculpindo tudo em um bloco sólido de adamantium caro. Ele me acompanhou até a Fonte de Luz desde o início, e foi fundido usando meu Sangue Sagrado e a Luz da Fonte.]
Kristina ouviu em silêncio.
[Além disso, aprendi como infundi-lo constantemente com meu Sangue Sagrado, mesmo quando não estava prestando atenção a ele, e o usei como um catalisador para meus milagres. Em Helmuth, ele bebeu o sangue de inúmeros demônios e colheu suas almas, enquanto era batizado e purificado com meu Sangue Sagrado e a Luz todos os dias… Eu ouso dizer que, nesta era, esta maça é provavelmente a segunda melhor arma para matar demônios seguindo a Espada Sagrada.]
Enquanto Kristina olhava para a maça que segurava, sentiu seu coração bater forte. Conhecer as verdadeiras origens só fez a maça parecer ainda mais pesada para ela. Assim como Anise havia dito, esta maça definitivamente devia ser o segundo artefato sagrado mais letal para lidar com o povo demônio, seguindo a Espada Sagrada Altair.
— Só de ver isso me dói o lado sem motivo. — Resmungou Eugene.
— Hã? — Kristina questionou surpresa.
— Quando foi mesmo? — Eugene murmurou para si mesmo. — Não conseguimos reabastecer, então ficamos sem bebida, mas Anise estocou algumas garrafas de sua própria cota. Então Sienna e eu tentamos roubar um pouco de álcool sem que ela soubesse… Fomos pegos no meio do caminho. Sienna covardemente fugiu sozinha usando magia espacial, e eu fui o único a ter minhas costelas quebradas pela maça de Anise.
Ao relembrar seu passado distante, Eugene roçou seu próprio lado e continuou:
— Não importa como eu pense sobre isso, Anise definitivamente foi longe demais naquela época. Aquelas costelas quebradas rasgaram meus pulmões, então eu não conseguia respirar, e a dor era realmente agonizante. Então, em vez de me tratar, Anise até quebrou minha perna.
[Como eles poderiam roubar de sua própria companheira? Foi culpa daquele filho da puta do Hamel por fazer isso,] Anise xingou.
— Sir Eugene, você é que estava errado. — Kristina obedientemente repetiu.
Eugene retrucou:
— Quem disse que eu não estava errado? Eu só disse que ela foi longe demais com a punição, tsc…
Eugene também estava muito familiarizado com o próximo item sagrado. Era o rosário que Anise usou durante toda a viagem.
[O simples fato de segurá-lo na mão acelera a recuperação do poder divino e pode amplificar o poder dos milagres.]
Havia também uma garrafa de vidro contendo água benta real em vez de álcool.
[Assim como a maça, ao entrar na Fonte de Luz comigo desde criança, é um item sagrado que foi imbuído de suas próprias bênçãos. Sem quaisquer rituais ou tarefas complicadas, você pode fazer Água Benta apenas colocando água comum dentro dela. A Água Benta criada ao fazer isso pode dissolver o poder demoníaco e até mesmo queimar o sangue e a carne do povo demoníaco. Se um milagre adicional for lançado sobre ela, pode até ser usada como uma poção que, embora não seja tão boa quanto um elixir, ainda tem um efeito excelente.]
Kristina pendurou o rosário no pescoço e colocou a garrafa de vidro em um bolso. Então pegou a maça com as duas mãos e se dirigiu para a relíquia final.
Era um manto branco puro com uma cruz vermelha costurada nele. Vendo este manto, Eugene sorriu inconscientemente.
Nas lembranças de Eugene, Anise sempre usava aquele manto. A cruz vermelha em suas costas e o forro branco nunca foram salpicados de sangue, mas por baixo daquele manto, as costas de Anise sempre estavam cobertas de sangue.
[Levar isso com você será muito conveniente] disse Anise. [Durante os muitos anos que passei vagando por Helmuth, esse manto nunca ficou sujo. Também nunca teve uma única mancha de sangue. A cruz é sempre de um vermelho claro, e o fundo branco foi feito para representar a pureza sem manchas… É um símbolo bastante ostensivo da Santa.]
“Será que isso realmente serve para mim…?” Kristina pensou incerta.
[Cabe em mim, então, é claro que vai caber em você também. O manto em si pode amplificar milagres, e também não quero deixar nem um único pedaço dos meus pertences aqui. Então, Kristina, vá em frente e pegue todos eles para você.]
Kristina envolveu hesitantemente o manto ao redor de seu corpo. Era definitivamente a primeira vez que ela o usava, mas quando o roupão se enrolou confortavelmente em seu corpo, sentiu uma sensação confortável, como se o tivesse usado por muito tempo.
[Não preste muita atenção em mim] avisou Anise.
Kristina estava vestindo o manto de Anise, com o rosário de Anise em volta do pescoço, a garrafa de Água Benta de Anise em um bolso e ela até carregava a maça de Anise.
[Você não pode se permitir se tornar eu. Tudo isso é apenas para ajudá-la em sua jornada. Eles não foram feitos para te transformar em mim.]
Sem responder, Kristina estendeu a mão e esfregou o rosário. Não havia necessidade dela sequer responder a essas palavras. Ao sentir o cuidado de Anise por ela, Kristina sorriu levemente. Ela não era fraca o suficiente para se sentir confusa sobre sua identidade apenas por causa de uma ligeira mudança na maneira como se vestia.
Ela era Kristina Rogeris.
E a pessoa que primeiro a chamou por esse nome estava bem na frente dela.
— Sir Eugene. — Falou Kristina. — Você poderia, por favor, voltar antes de mim?
— Para onde devo ir? — Eugene perguntou sem nenhum constrangimento ao pedido.
Kristina escondeu a maça pesada dentro de seu manto e riu, — Não importa qual, mas por favor, fique em uma das pousadas de Yurasia por enquanto.
— O que você vai fazer? — Eugene perguntou.
— Eu… Ainda tenho uma coisinha para fazer. — Enquanto Kristina olhava ao redor do Cofre das Relíquias Especiais, ela continuou: — Entre todas as relíquias sagradas armazenadas aqui, nenhuma parece exigir um sacramento especial para ser devolvida à Luz. No final, existem apenas alguns restos sagrados armazenados aqui por causa dos milagres contidos neles, e não para outros fins.
Eugene assentiu.
— Entendo.
— No entanto, ainda há alguns outros lugares que quero conferir. Provavelmente há muito mais relíquias com as quais estamos preocupadas armazenadas na Sede da Inquisição ou no Departamento de Magia Divina. — Concluiu Kristina.
A Inquisição e o Departamento de Magia Divina eram onde a pesquisa sobre magia negra e magia antiga, como a magia do sangue, acontecia.
— Entendi. — Concordou Eugene.
Não era muito difícil para Eugene oferecer mais ajuda.
No entanto, não disse algo assim. Porque Kristina não pediu sua ajuda. Não era como se ela estivesse se segurando para não dizer algo, então isso significava que Kristina claramente não queria a ajuda de Eugene. Ela queria acabar com tudo relacionado às santas com suas próprias mãos e enviar suas condolências a elas junto com qualquer um de seus restos mortais.
— Dois dias depois, haverá um evento para comemorar o aniversário de Senhorita Anise na Praça do Sol. — Tentando evitar que sua voz tremesse, Kristina continuou: — Vamos nos encontrar lá ao meio-dia, quando o sol estiver mais alto.