Capítulo 9 - Testes e Tensões
Capítulo 9 – Testes e Tensões
Isabel e Holly, ainda caminhavam abraçadas enquanto o silêncio pairava entre elas. A mente de Isabel pairava em pensamentos enquanto Holly caminhava de forma desleixada, quebrando o silêncio com uma pequena gargalhada aleatória.
— Seu aprendiz é tão fofo quando está irritado. — Implicou Holly com Isabel.
— Ele me lembra a mim mesma quando era pequena. — Respondeu Isabel, com um sorriso animado no rosto.
— Não tinha pirralha mais reclamona que você.
— Eu nunca fui reclamona!
— Eu conheço você melhor do que você mesma, por isso eu falei com as crianças no seu lugar. — Holly diz, dando língua para Isabel.
— Obrigada por isso, acho que eu não ia saber o que dizer. — Isabel encolhe os ombros, ficando sem graça.
— Quando éramos aprendizes também vivíamos brigando, e hoje você é minha melhor amiga. Vai ver como ele e o Michael vão se aproximar rapidinho. — Disse ela, enquanto abraçava a Isabel ainda mais forte.
— E, falando em se aproximar, soube que o Vanhady voltou. Remu pediu para que a aprendiz dele refizesse o teste de combate para mostrar aos outros, o que acha de irmos assistir, e quem sabe você ver o Vanhady?
— Ahn!? Eu nem me preparei, achei que ele fosse voltar daqui a duas semanas. — A voz de Isabel demonstrava o quanto ela estava envergonhada mas feliz ao mesmo tempo, com a notícia de vê-lo novamente.
— Vai se arrumar, eu levo a pirralhada para o campo de treino. — Holly ri da cara de boba de Isabel enquanto, em seguida, se joga de costas para o chão, desaparecendo na própria sombra.
Depois do que Holly faz, Isabel usa os seus raios para aumentar a sua velocidade e ir correndo para casa, e é quando a cabeça de Holly sai pelas sombras novamente, rindo de Isabel, e com um olhar no rosto de quem já sabia que essa seria a reação da amiga.
Vanhad já estava no campo de treinamento. Ele era um homem alto e forte, porém, sem músculos muito avantajados, com cabelos pretos em um tom azulado, e com o seu rosto coberto por uma máscara branca na forma de um urso polar bebê, o que acabava contrastando com sua roupa preta e camuflada. Ele era uma figura posturada, com as mãos nas costas, imóvel como uma estátua.
— Eu aceitei sem perguntar por ter sido um pedido seu, Ancião Remu, mas por que pediu para Luna refazer este teste? — Vanhad, em curiosidade, questiona o Ancião, enquanto encarava o campo de treino.
— Creio que pode servir como motivação para os mais novos, ver como alguém de idade tão próxima a eles pode se sair sozinha, em um campo de batalha. — Remu tinha um sorriso peculiar estampado no rosto, ao ver Isabel chegando e ouvindo a sua resposta.
— É claro que sim, sempre tentando ajudar não é? — Isabel diz, de forma irônica, vestindo uma blusa preta mais feminina, e tendo os seus cabelos, outrora bagunçados, agora com um belo penteado, acentuando um sorriso bobo no seu rosto e um olhar tímido também. — Vanhad, quanto tempo.
E então, um pequeno vão de silêncio toma conta do ambiente, quando um som baixo, que escapa da máscara de Vanhad, é ouvido, e ele lentamente caminha até Isabel, dando a ela um abraço não apertado, mas firme.
— O Sussurro, você não devia ter enfrentado ele sozinha… — Vanhad ainda abraçava Isabel, deixando o calor do momento prolongar um pouco aquela ação, aliviado por ela estar bem. — Senti sua falta.
— Devo pedir para que se soltem, porque isso não é hora e nem lugar. — O Ancião Remu repreende os dois, ao ver a interação deles.
— Perdão pelo constrangimento, Ancião Remu. — Vanhad diz, ao sair do abraço de Isabel, fazendo um carinho em seu cabelo. — Embora prefira ele bagunçado, esse penteado ficou bem em você. — Elogia ele, enquanto os seus olhos sorriam por de trás da máscara.
De forma tímida, Isabel caminha até o guarda corpo, sendo seguida por Vanhad, que mantém sua dura postura de anteriormente, se mantendo ao seu lado para que pudessem assistir juntos o teste de Luna. E, enquanto isso, Holly continuava se escondendo nas sombras, para que pudesse beber sem ouvir as repreensões do ancião Remu.
O grande portão para o campo de treinamento se abre, com a saída de uma pequena névoa, entrando assim a aprendiz de Vanhad. Ela estava vestindo um grande sobretudo negro e dando passos calmos, tinha a sua magia percorrendo suavemente o local, sendo usada para criar um vento gelado que retira o seu sobretudo e revela os seus longos cabelos loiros e olhos azuis, assim como os do seu mestre. Outro exemplo que ela seguiu dele, foi o de usar uma máscara no rosto, de sua própria preferência, tendo na sua a imagem de um rato acinzentado, em vez da de um urso.
— É sério que eles vão mandar uma garota sozinha?! — Perguntou Michael, surpreso.
— Ela é tão linda, não é? Os olhos dela são tão azuis quanto os meus, esse jeito misterioso dela, é igual aos relatórios de missão. — Disse Philip, com um olhar bobo e apaixonado por aquela menina tão graciosa.
— Você ficar lendo relatórios por causa de uma garota parece mais perseguição do que romance. — Axel comenta, estranhando o sentimento de Philip.
— E você tem algum problema com ele gostar dela? — Indagou Michael, cerrando seus punhos.
— Acho que quando a Anciã Holly pediu para assistirmos, não era para arranjar uma namorada para você que ela estava pensando. — Respondeu Hugo.
— Não querendo bancar a mãe, mas vocês querem mesmo discutir com 2 anciões e 2 Santos Cavaleiros observando? — Asa perguntou, em um tom sarcástico, cruzando os seus braços enquanto encarava os dois brigões.
As trombetas em volta da arena tocam, ao sinal de Remu. Luna, sem perder tempo, corre em direção aos golens, liberando uma camada de gelo a cada passo, tornando a sua corrida em uma silenciosa patinação. Ela atirava agulhas de gelo que, ao atingirem os golens, se transformavam em lindas flores, tomando por completo a cabeça dos golens, e os destruindo um a um, impiedosamente, chocando os aprendizes que falharam anteriormente.
— Não dá pra negar, ela não é nada mal… — Michael a observava com espanto e inveja em seu olhar, torcendo o nariz para a garota.
— E os poderes de gelo dela combinam perfeitamente com os meus de água… — Completou Philip, com um olhar apaixonado.
Assim que conquistou a primeira parte do território, Luna, em sua graça, dá um salto enquanto gira, patinando em seu gelo, e com o simples tocar da ponta dos seus pés cria um muro de gelo, para a proteger. A Santa aprendiz mostrava precisão em cada um de seus movimentos, utilizando a parede de gelo para ver o suficiente da silhueta dos golens tocando o muro, que se despedaça por inteiro, se tornando projéteis afiados em direção aos golens, destruindo mais alguns deles.
— Com certeza melhor do que você. — Retrucou Axel, provocando Michael propositalmente.
— Eu sou melhor que vocês dois, e passaria muito mais fácil sem alguém patético como você na minha equipe. — Michael rebate, com arrogância em sua voz, revidando a provocação.
— Fala muito pra quem faz tão pouco.
— Quietos! Sejam realistas, a única coisa certa é que nenhum de nós teríamos chance sozinhos, principalmente se nos compararmos com a loirinha ali. — Asa brincou, enquanto assistia cada detalhe dos movimentos da aprendiz de Vanhad.
Ao começar a ser cercada, Luna cria um domo de gelo em volta de si como forma de proteção, surgindo ali dentro uma pequena ventania, enquanto o domo era escalado pelos golens, pouco a pouco.
— Tormenta Glacial! — Gritou Luna, estourando todo o seu próprio domo de gelo.
Um pequeno tornado surge com a santa aprendiz no centro, como uma barreira mágica sendo o perfeito balanceamento de ataque e defesa. Ela estava usando todos aqueles destroços de gelo como seus projéteis para atacá-los, enquanto criava plataformas de gelo no ar, lhe servindo de apoio, para chegar até o golem chefe e conseguir perfurar a cabeça dele.
— Tá de brincadeira, ela sozinha conseguiu dar conta de todos eles. — Michael disse, com repulsa na voz e surpresa no rosto.
”Se chama estratégia, ela não é uma idiota que se joga no meio de tudo sem um plano.” Pensou Axel.
— Calma aí, você tem que ver o todo, os detalhes, ela tem uma estratégia muito bem balanceada. — Hugo interviu no comentário de Michael, temendo que Axel o fizesse de novo.
— Por isso você é o melhor que nós temos, grandão. — Asa fala, dando um soquinho animado no peito de Hugo.
Vanhad, ao longe, observava com orgulho a sua aprendiz, pensando nas pequenas falhas que ela teve durante o trajeto, porém, reconhecendo que a estratégia, se tratando de golens como aqueles, foi 100% efetiva. E ela retribui o olhar de seu mestre, que lhe dá a sua aprovação, até que ele desviasse o seu olhar para o Ancião Remu.
— E então, presenciou o que queria?
— Sim, Santo Cavaleiro Vanhad, tenho certeza que isto serviu de inspiração para o novo grupo de Santos Aprendizes. Isabel, Anciã Holly, o que acha dos irregulares refazerem o teste agora? — Perguntou Remu, com um olhar solene para Isabel, que o olhava de maneira irritada.
Isabel então, pede a Holly para que fizesse a gentileza de avisar aos aprendizes. Enquanto Vanhad nota o quanto Isabel parecia contrariada com a situação, embora ainda estivesse curioso para a capacidade do garoto de quem Isabel havia falado, decidiu intervir a favor dela.
— Sinto muito Ancião Remu, mesmo que as crianças tenham aprendido algo ao observar Luna, não estou confortável para assistir mais um teste, tive uma longa viagem. — Vanhad bruscamente segura o ombro de Holly, a impedindo de entrar em sua sombra para ir até as crianças.
— Bom, se tratando de um pedido seu, não tem por que eu recusar. E já que este é o caso, estarei me retirando para os meus aposentos. — Remu, de forma calma, se retirou do local sem maiores cerimônias.
— Você é mesmo um cara esperto, mas olha só minha hora, nossa! Acabo de lembrar de um compromisso que inventei agora, tenho que ir, tchauzinho Bel, Vanhady. — Holly implica com eles enquanto ri ao desaparecer nas sombras, aparecendo perto da aprendiz de Vanhad. Ela envolve Luna nas sombras, e em seguida, os outros aprendizes também, sumindo de vez com eles dali.
— Você não devia deixar a Holly beber tanto. — Vanhad diz preocupado, se aproximando mais de Isabel.
— Enquanto existir santos que curam, acho que nada vai parar ela. — Isabel respondeu sem graça, enquanto Vanhad seguia a passos lentos para fora, fazendo com que ela o seguisse.
Andando pelas ruas da Cidadela, Vanhad e Isabel mantiveram o silêncio de companheiros que já não se viam há muito tempo, mal sabendo conversar fora das cartas. De repente, estar juntos parecia estranho, como se precisassem se conhecer novamente. Borboletas embrulhavam o estômago de Isabel, enquanto Vanhad parecia inexpressivo com aquela máscara, embora o seu coração batesse mais rápido do que o normal.
Pequenas faíscas eram criadas no ar. Isabel havia criado, sem perceber, aquela estática que ela tenta esconder para que Vanhad não notasse. Ela sentia o seu coração mais acelerado, a deixando nervosa, desejando quebrar aquele silêncio de qualquer maneira.
— Obrigada, por intervir no teste dos garotos. — Ela agradece, chegando mais próximo dele e tocando em seu braço.
— Está tudo bem, não é bom forçar algo que não está na hora certa. — Ele desvia o seu olhar para o chão, enquanto eles caminham.
— O que? Não, não, é- Isso, tudo tem que ter o seu tempo, se não pode dar errado. — A voz falha de Isabel só transparecia ainda mais o quanto ela estava mexida com a presença dele ali.
— Não imaginava que você teria algum aprendiz ou que nós dois viraríamos mestres. — Ele ri ao pensar como a situação dos dois estava atualmente.
— Se bem me lembro, você nunca foi um santo aprendiz, quando chegou, já era um santo cavaleiro. — Complementou Isabel, enquanto olhava para a Lua, lembrando das noites em que eles conversavam assim.
— Não é verdade. Se não fosse por meu irmão, nem teria me tornado um santo cavaleiro. — Vanhad ri, de forma triste, ao falar sobre isso.
— Mas as coisas eram mais calmas naquela época, não eram?
— Mais calmas? É, o Exar era quem roubava as partes agitadas para ele. — Respondeu rindo, com a lembrança dos dois correndo pelas cidades e pulando de telhados.
— Bobo, você sabe que não estou falando dele, estou falando… de outra coisa. — Ela dá um soquinho sem graça no ombro dele, enquanto a entrada de sua casa se aproximar.
— Eu sei, mas não posso ainda. Acho que não estou pronto, principalmente com toda esta guerra. — A voz de Vanhad era profunda, e carregava seu cansaço, enquanto sua postura parecia um pouco mais abatida.
Isabel é baqueada por esse comentário. Com um sorriso sem graça no rosto, ela segura o seu próprio ombro, mantendo um pequeno momento de silêncio entre eles, até que chegassem à porta de sua casa.
— Quanto tempo mais nós vamos deixar tudo isso atrapalhar a gente? — Isabel finalmente pergunta, se escorando na porta de sua casa, evitando olhar nos olhos de Vanhad, mesmo que ele ainda estivesse com aquela máscara boba.
— Sei que é injusto… mas espero que isso seja o bastante por hoje, tudo bem? — Ele perguntou, ainda com aquela voz profunda, mas agora doce.
Com cuidado, ele retirou a própria máscara, revelando o seu belo rosto e um sorriso acolhedor, acariciando o rosto de Isabel com delicadeza. Ele move o cabelo dela, para que pudesse ver melhor o seu rosto tímido, em especial o lado que ela tentava esconder por causa de sua cicatriz, e lhe dá um suave beijo na bochecha, dando alguns passos para trás, logo em seguida.
Vanhad tropeça em uma pedra que, com certeza, não estava ali antes, sendo segurado por Isabel pelo único braço dela, e se curvando como um passo de dança, ambos segurando um ao outro.
Nas sombras, mãos escuras tocam as costas de Isabel e Vanhad, fazendo com seus peitos se colassem, sem ter noção de que existia uma mão de sombras nas costas um do outro, os dois sabiam que Holly estava interferindo, porém pensavam que ambos estavam naturalmente correspondendo.
O vento frio fazia com que o corpo quente de Vanhad, de repente, se tornasse o único ponto de calor onde Isabel poderia se aconchegar. O coração de Vanhad estava pulsando de forma desenfreada, pois a proximidade dela o deixava em uma posição desconfortável.
Não estando acostumado a essa posição vulnerável, a sua respiração se acelera sem controle, enquanto observava o olhar de Isabel alternando entre seus olhos e sua boca. Aquele momento que, ao mesmo tempo, que era tão curto, na mente de ambos, parecia uma eternidade onde não existia nada além deles. Sem perceber que esse momento tão íntimo, estava sendo observado, com muito interesse, por três pessoas, ambos deram um suave beijo.
A primeira pessoa que via tudo era Axel, que estava escondido através das frestas da janela de seu quarto, pois estava esperando que Isabel chegasse, para que pudesse ir dormir. A segunda era a Luna, a aprendiz de Vanhad, que estava o seguindo pelas sombras, usando o seu treinamento como uma dos fantasmas, e acabou vendo como Holly ajudou Vanhad com o beijo, desviando o olhar do beijo daqueles dois, logo em seguida, sentindo vergonha. E, claro, Holly, que foi quem havia feito o beijo acontecer. Ela observava os dois das sombras de um telhado, com um sorriso bobo no rosto, e murmurando para si mesma.
— Minha belzinha…