Capítulo 16
A sua conexão com o lobo era indescritível; ele conseguia sentir as emoções do lobo, seus sentimentos, seus desejos e anseios, parecia que, em parte, eles haviam se tornado uma só carne, o que era bem estranho. Neste momento, os outros soldados observavam-no chegar próximo aos lordes, com respeito, enquanto ainda processavam o que acabara de acontecer. Ele havia vencido a batalha, e dessa vez, sem nenhum tipo de suporte.
“Você deve entender, garoto”, disse Darenthor, aproximando-se mais uma vez, “A relação entre um domador e sua besta não é uma simples aliança. Quando você entrelaça sua alma com a da criatura, algo muito mais profundo ocorre. Elas já não são mais bestas; agora, são companheiros de alma. Elas não precisam mais permanecer fisicamente ao seu lado o tempo todo. Elas podem residir dentro da sua alma.”
Kaelion olhou para o lobo ao seu lado. Era difícil imaginar que essa criatura enorme pudesse, de alguma forma, ser armazenada dentro de si.
“A alma dos seres sencientes é como enormes pequenas Elarions, e possibilitam que as criaturas vivam dentro de si como se estivessem na própria Elarion. A diferença entre um domador e os demais é que o domador não precisa utilizar nenhum tipo de artefato ou técnica para fazer a ligação”, continuou Darenthor. “Elas ficam conectadas à sua essência, e você pode chamá-las quando necessário, trazendo-as ao mundo físico para lutar ao seu lado. No entanto, a ligação não é apenas física. Quando sua alma e a da besta se fundem, você passa a sentir o que ela sente, e os melhores domadores conseguem até mesmo ver o mundo pelos olhos dela.”
Darenthor ficou brevemente em silêncio, mas logo continuou sua explicação: “Essa conexão pode ser um fardo tanto quanto um presente. Se a sua besta estiver ferida, você sentirá a dor. Se ela estiver em perigo, sua alma também sofrerá. Domadores habilidosos aprendem a lidar com essas sensações, mas leva tempo. É importante saber que, caso sua besta esteja próxima a você, é possível retorná-la à sua alma a qualquer momento, mas se ela estiver envenenada, queimando, eletrocutada, afogada ou coisas do tipo, você terá o mesmo destino que ela, sofrendo todos esses estados de dentro para fora, sendo letal em quase todos os casos. No entanto, se a besta falecer fora de sua alma, você não terá o mesmo destino, apenas sentirá uma dor excruciante.”
Kaelion refletiu sobre essas palavras. Ele imaginava que domar uma criatura significava apenas controle, mas isso era muito mais profundo. Era uma responsabilidade compartilhada, uma troca de vida entre ele e o lobo.
“Agora”, disse Darenthor, “se prepare. Essa calmaria provavelmente não vai durar. Mais bestas devem estar a caminho, e você precisará lutar novamente. Essas batalhas serão intensas. Você precisará utilizar a força do lobo, aprender a lutar ao seu lado e fazer o possível para se manterem vivos. E lembre-se de que ele depende de você tanto quanto você depende dele.”
Kaelion assentiu, enquanto o lobo uivava baixo ao seu lado, como se respondesse e concordasse com o que Darenthor havia dito. Mas, nesse instante, o jovem, super constrangido e em sua inocência, perguntou ao lorde: “Como faço para o lobo entrar em minha alma?”
O homem sorriu e disse: “Da mesma forma que você guarda e invoca o seu Códex: apenas deseje isso.”
Então, o jovem pensou no lobo sendo “retornado” para dentro de si, e o lobo desapareceu. Kaelion não pôde deixar de sorrir quando isso aconteceu. Outra coisa que o divertiu foi sentir que o lobo estava alegre dentro de sua alma.
Neste momento, um som distante de tambores de batalha ecoava pelas muralhas da fortaleza de Valeryn. Os soldados começaram a se movimentar, se preparando, reforçando as defesas e afiando suas lâminas. Darius olhou para Kaelion uma última vez antes de se dirigir aos homens.
“As bestas de Draconia estão voltando”, gritou Darius para os soldados. “E desta vez, seremos nós que caçaremos!”
Kaelion respirou fundo e saiu correndo para se preparar. Ele pegou sua pequena vestimenta de treinamento, feita com couro de vaca dorso de aço. Ele sabia que a batalha seria extremamente intensa. Então, convocou o lobo sombrio, pegou sua lança e caminhou para o campo de batalha, muito nervoso por ter que enfrentar aquelas criaturas novamente.
Darius, do lado de fora das muralhas, estava com uma pequena unidade de elite, preparando-se para defender as muralhas. O capitão, em sua armadura negra, de repente, começou a emitir um brilho azul. Ele estava despertando o poder de seus equipamentos.
Ele estava organizando a defesa de Valeryn. Ele iria defender o meio junto com os soldados de elite. Seria o responsável por proteger a fortaleza das bestas de tier elite. Ele colocou os outros guerreiros de tier comum na direita, onde as bestas eram um pouco mais fortes, e, por fim, solicitou aos recrutas que defendessem o lado esquerdo.
Kaelion estava se deslocando para o meio, buscando ajudar o capitão. Vendo isso, o capitão disse: “Kaelion, vá para a esquerda, junto aos recrutas. Ajude-os a manter a fortaleza. Sua obrigação é tentar evitar o maior número de baixas possíveis.”
Kaelion e o lobo sombrio avançaram para o lado esquerdo do campo de batalha, lado a lado, como se já fossem companheiros há anos. O jovem sentia a energia selvagem de sua besta fluindo por ele, e cada passo parecia mais sincronizado. A batalha que se aproximava testaria o vínculo recém-formado e a habilidade de Kaelion como domador.
De repente, o som de cascos e patas pesadas ressoou ao longe. Os tambores da guerra começaram a soar mais alto, e as bestas da floresta emergiram novamente das sombras de Draconia. Gigantescas criaturas se aproximavam, suas silhuetas deformadas pela névoa matinal. Havia gigantescos ursos ósseos, cães infernais, lobos presa de aço, ratos carniçais, javalis da pele de pedra, falcões da noite, lobos sombrios, lâminas aladas, serpentes da névoa, corvulus e algumas dezenas de gigantescos ursos de ferro. Entre esses ursos, havia um especificamente muito maior e mais forte que os outros; sua presença parecia intimidar as demais criaturas.
“Kaelion!”, gritou Darius de longe. “Prepare-se!”
Kaelion fechou os olhos por um breve momento, sentindo a presença de sua besta companheira, agora parte de sua alma.
Quando abriu os olhos, as primeiras bestas estavam prestes a alcançar o primeiro círculo de defesa. Com um grito, Kaelion e o lobo sombrio avançaram. O lobo, em um salto ágil, caiu sobre uma das criaturas, rasgando sua carne com suas garras afiadas, enquanto Kaelion desferia golpes precisos com sua lança.
A batalha começou intensa, mas Kaelion sentiu algo diferente dessa vez. A cada golpe que ele desferia, sentia o pulso da energia de seu lobo correndo por suas veias. E a cada movimento da criatura, era como se eles se movessem em uníssono. Kaelion percebia as sensações de seu companheiro e ajustava sua postura para dar suporte, enquanto o lobo protegia o jovem de ataques que ele não conseguia prever.
Darius observava de longe, orgulhoso do progresso de Kaelion, mas sabia que essa batalha seria longa. E enquanto a batalha se desenrolava, ele percebeu que Kaelion ainda tinha muito a aprender.
A guerra se desenrolou de forma brutal, com cada onda de criaturas trazendo uma carnificina ainda mais intensa. Os primeiros soldados que enfrentaram as bestas logo foram jogados ao chão com uma força aterradora. Kaelion, que mal havia se recuperado de sua recente vitória sobre o lobo sombrio, sentiu o ar ficar denso e saturado com o cheiro metálico de sangue e o som de carne sendo rasgada.
Um dos soldados que lutava ao seu lado foi o primeiro a cair. Um javali da pele de pedra o atingiu com tanta força que o partiu ao meio, espalhando sangue e entranhas pelo chão. A brutalidade do golpe fez Kaelion estremecer, mas ele quase não conseguia se mover. Tal carnificina ainda era muito intensa para o garoto. Seu lobo sombrio saltou sobre o javali, cravando as garras nas suas costas, abrindo uma fenda enorme. Kaelion, que ainda estava desnorteado, sentindo a ferocidade de seu companheiro, voltou um pouco aos seus sentidos e aproveitou a abertura criada pelo seu lobo, desferindo um golpe fatal com sua lança, perfurando o crânio da criatura.
Enquanto isso, Darius e seus soldados de elite estavam lidando com as maiores ameaças. Um gigantesco urso de ferro investia contra as defesas da fortaleza, quebrando escudos e esmagando soldados sob suas patas pesadas. O som de ossos quebrando era ensurdecedor, e os gritos dos soldados, uma melodia macabra que se mesclava ao caos da batalha. Darius, com sua espada brilhando em azul intenso, enfrentou o urso, desferindo golpes precisos e potentes, cortando a pele metálica do monstro. No entanto, o urso parecia imbatível. Com um único golpe de sua pata, ele arremessou Darius contra uma parede de pedra, rachando-a com o impacto.
Do outro lado, o campo de batalha se transformou em um verdadeiro cenário de horror e carnificina, onde os recrutas mal treinados tentavam resistir às criaturas que avançavam com uma ferocidade bestial. Um dos recrutas mais próximos de Kaelion, mal segurando uma espada que tremia em suas mãos, foi pego por uma serpente da névoa. As mandíbulas da criatura se fecharam ao redor de seu tronco, levantando-o do chão enquanto ele gritava em puro terror. A serpente o puxou para o alto, e antes que pudesse tentar se libertar, ela o partiu ao meio com um movimento seco. O corpo mutilado caiu ao chão com um som horrível, espalhando sangue e vísceras ao redor.
Outro recruta não teve sorte quando um cão infernal o atacou pelas costas. As mandíbulas da criatura se fecharam ao redor de sua cintura, suas presas afundando profundamente na carne. O grito do jovem foi abafado pelo som de ossos quebrando enquanto o cão o despedaçava lentamente, puxando as entranhas do recruta enquanto ele ainda estava vivo, seus olhos arregalados de dor e desespero. O cão brincava com sua presa, rasgando-a aos poucos, devorando-a ainda viva.
Kaelion viu alguns ratos carniçais avançar sobre um grupo de recrutas que lutavam desesperadamente. As criaturas saltaram sobre eles, suas garras afiadas perfurando o peito dos soldados e os arrastando ao chão. Os ratos começaram a devorar os recrutas que não conseguiam se levantar, seus focinhos cobertos de sangue enquanto rasgavam as carnes com os dentes. Kaelion, já tomado pela raiva e horror, correu em direção às criaturas, sua lança brilhando em sua mão. O lobo sombrio de Kaelion foi mais rápido, avançando sobre os ratos e rasgando-os com suas garras poderosas; por onde passava, rasgava, mastigava e mutilava as criaturas selvagens.
Kaelion sentia toda a ferocidade da sua besta, e estava agindo em conformidade, como se tivesse sido possuído por sua besta. Ele girava a lança, partindo cães infernais como se fossem tofu. Uma serpente da névoa tentou se esgueirar atrás dele e dar um bote, mas, de repente, seu lobo surgiu, desferindo um golpe com toda ferocidade e separando a cabeça da criatura de seu corpo. Logo após matar a criatura, seu lobo se viu cercado por uma matilha; nesse momento, ele começou a atacar os lobos com movimentos ágeis, desferindo golpes em todas as direções e matando quase todos.
Outra cena grotesca envolveu um lobo presa de aço que, com suas presas brilhando como lâminas, cortou dois recrutas ao meio com um único movimento. O ar foi preenchido com o cheiro de sangue fresco, e os gritos ecoavam pelo campo. Kaelion, mal controlando sua respiração, em razão do cansaço e euforia, em um rompante de fúria, correu em direção ao lobo. Ele saltou, desviando de um golpe mortal da criatura, e desferiu sua lança com precisão em sua garganta, abrindo um enorme buraco em sua traqueia. O lobo tentou uivar em agonia antes de cair ao chão.
Os olhos de Kaelion estavam fixos no caos ao seu redor. Havia somente sangue e morte, e pedaços de corpos espalhados por todas as partes. Ele e seu lobo sombrio continuariam lutando, defendendo os recrutas que ainda estavam vivos, mas a guerra, com todo o seu horror, estava afetando sua mente, e o garoto não suportou o cheiro pútrido das vísceras e vomitou.
Já no centro da batalha, Darius, com seu corpo ensanguentado, se levantou com dificuldade. O urso avançava mais uma vez, e por um momento, pareceu que o capitão não conseguiria se desviar a tempo. O urso rugiu, preparando-se para desferir o golpe final no capitão, suas garras brilhando enquanto avançava. Mas, antes que o ataque pudesse atingir Darius, um som ensurdecedor de asas rasgando o ar chamou a atenção de todos.
O coleirinho do dorso de sangue, a majestosa criatura do lorde Darenthor, surgiu em uma investida feroz. Com um grito estridente, ele mergulhou do céu, suas asas enormes criando uma onda de vento que fez o urso hesitar por um breve momento. O coleirinho, com suas garras afiadas e bico poderoso, atingiu o urso de ferro com uma força avassaladora, derrubando-o no chão em uma nuvem de poeira e detritos.
O urso rugiu de dor, mas o coleirinho não deu trégua. Ele atacava incessantemente, rasgando a pele metálica do urso com suas garras e cravando seu bico afiado nas juntas de ferro da criatura, tentando atingir suas partes mais vulneráveis. O urso se debatia, tentando afastar o coleirinho com suas poderosas patas, mas a ave era ágil e mortal, desviando dos ataques e cravando suas garras cada vez mais fundo.
A batalha entre o coleirinho e o urso de ferro era intensa e brutal, cada golpe ecoando pelo campo de batalha. O urso, em um ato de desespero, conseguiu atingir o coleirinho de raspão, arrancando penas e abrindo parte de seu abdômen. Mas a criatura de Darenthor não recuou. Com um grito ensurdecedor, ele mergulhou uma última vez, cravando seu bico diretamente no crânio do urso de ferro, penetrando a camada de ferro e atingindo o cérebro da besta.
O urso deu um último rugido de agonia antes de desabar, morto.
O campo de batalha ficou em silêncio por um breve momento, os soldados e bestas ao redor observando em choque o corpo colossal do urso caído no chão. O coleirinho, ensanguentado e ofegante, mal conseguia se levantar. Ele se arrastou para o lado de seu mestre, Darenthor, que havia entrado na batalha, deixando uma trilha de sangue por onde passava. Darius, com dificuldade, limpou o sangue do rosto, enquanto olhava para o corpo do urso com um misto de alívio e admiração pelo poder do coleirinho.
Kaelion, observando de longe, sentiu uma mistura de admiração e gratidão. Ele sabia que, se o coleirinho não tivesse intervindo, Darius provavelmente estaria morto. A batalha continuava, mas o impacto daquele confronto ecoaria em sua mente por muito tempo.
Com a queda do urso de ferro, as bestas pareceram hesitar por um breve momento, mas logo voltaram a atacar com fúria renovada. Kaelion e seu lobo sombrio estavam prontos para enfrentar o próximo desafio.
Kaelion, mesmo à distância, podia ver a luta se desenrolando e sentiu um medo profundo crescer em seu peito. As bestas continuavam a avançar em todas as direções, e os soldados, embora lutassem bravamente, estavam sendo massacrados. Um falcão da noite desceu em um mergulho mortal, suas garras afiadas como lâminas cortando um soldado ao meio. O sangue jorrou no ar, encharcando o chão ao redor, enquanto Kaelion desviava por pouco do próximo ataque do corvulus, que vinha rasgando o ar com suas asas cortantes.
De repente, Darius e Darenthor soltaram um grito intenso, e novamente, Kaelion viu aquela luz, agora muito mais intensa, varrer o campo de batalha, matando todas as bestas inimigas em um raio de 800 metros da fortaleza. As criaturas que estavam saindo da floresta voltaram apavoradas, enquanto viam seus iguais sendo mortos pela luz.
Ao fim da batalha, os corpos das criaturas caídas e dos nobres guerreiros de Valeryn se empilhavam sobre o campo, e Valeryn, embora em ruínas, havia sobrevivido mais uma vez. Kaelion, sujo de sangue e poeira, olhava para o horizonte com seu companheiro ao lado. Eles haviam vencido juntos, mas essa era apenas a primeira de muitas batalhas por vir.