Elarion: A Dominação das Bestas (Novel) - Capítulo 7
O ar na selva estava mais pesado do que o normal naquela noite. A lua cheia derramava sua luz sobre as copas das árvores, mas, ao contrário de clarear o caminho, suas sombras pareciam se alongar, formando figuras inquietantes que seguiam Kaelion a cada passo. Ele estava mais fundo na Região dos Monstros do que jamais havia estado, e a energia que fluía pelo lugar vibrava em seus ossos como nunca antes.
A serpente alada, que agora não estava longe, observava Kaelion atentamente. Desde o momento em que atravessou a linha invisível entre o mundo humano e a selva, ele sentia sua presença. Como se fosse um chamado silencioso, uma sensação sutil de familiaridade, de identificação que crescia a cada passo, como se a criatura estivesse esperando por ele. Porém, não era apenas a serpente que o observava; a selva toda parecia viva, atenta a cada movimento seu, como se fosse devorá-lo a qualquer momento.
Ele segurava a lança com firmeza, sentindo a familiar pulsação da arma, como se estivesse conectada ao coração da selva. Cada vez mais, Kaelion percebia que a lança não era apenas uma ferramenta de combate, mas uma extensão de sua própria essência – uma conexão direta com as forças que governavam aquele mundo sombrio e mágico.
Entretanto, Kaelion não conseguiu perceber as mudanças que estavam ocorrendo na lança e em seu interior. A lança estava brilhando em um leve tom acinzentado e havia atingido seu primeiro nível – Lança do Crepúsculo. Esse despertar indicava que era uma arma de qualidade incomum. A outra mudança era o início do despertar de seu Códex da Vida, porém tais transformações somente seriam percebidas por Kaelion no efetivo despertar de seu Códex.
Ao caminhar pelo terreno traiçoeiro da selva, Kaelion ouvia os sons familiares das criaturas escondidas nas sombras: o estalar de galhos, o farfalhar de folhas, os olhos vermelhos dos lobos sombrios observando-o de longe. Mas, desta vez, curiosamente, ele não sentia medo, pois, neste momento, não parecia estar sendo caçado pelos lobos, nem sentia hostilidade vinda desses magníficos caçadores.
Seu destino era o Vale das Sombras, onde a colossal serpente alada o aguardava, um lugar que ele apenas imaginava durante seus anos na selva, principalmente pelo pavor de incomodar aquela gigante e virar sua presa por causa de sua transgressão. No vale, o tempo parecia parar; era um local onde todas as criaturas mais antigas e poderosas da selva guardavam segredos há muito esquecidos pelos homens. Ele sabia que era lá que a serpente alada o esperava, pois sentia seus olhos o fitando incessantemente.
Quando Kaelion finalmente chegou ao vale, uma névoa densa envolvia tudo ao seu redor. As árvores gigantescas e retorcidas formavam uma barreira natural, e o chão parecia pulsar com uma energia antiga. Ele adentrou cautelosamente, sentindo o medo tomar conta de seu coração, mas também não conseguia evitar de caminhar em sua direção.
No centro do vale, a serpente alada aguardava. Ela era ainda mais impressionante do que Kaelion se lembrava: suas escamas prateadas refletiam a luz da lua, e suas asas, imensas e majestosas, pareciam dominar o céu. Seus olhos, de um rubro intenso, eram como estrelas gêmeas e focaram-se em Kaelion com uma intensidade que ele jamais havia experimentado.
Kaelion parou a dezenas de metros da criatura, sua lança erguida, inutilmente, em uma posição defensiva. Ele sabia que aquela seria uma luta impossível de vencer. O ar ao redor da serpente vibrava com uma energia que fazia os pelos de sua nuca se arrepiarem.
“Você sabia que eu voltaria”, Kaelion murmurou, seus olhos fixos nos da serpente.
A serpente alada inclinou a cabeça levemente em direção a ele, como se apreciasse sua coragem. Então, sem aviso, ela rugiu – um som que sacudiu o vale e fez as árvores e a terra ao redor de Kaelion estremecer. Ele ficou tão assustado pelo rugido e pela magnitude do poder emanado pela criatura que caiu no chão, pois suas pernas estavam tão bambas que não o sustentavam mais.
Mas, em vez de atacar, a serpente permaneceu imóvel. O rugido não era uma ameaça; era um chamado, não da serpente, mas da própria Elarion, para que Kaelion começasse o seu caminho para cumprir seu propósito. No entanto, Kaelion só descobriria isso muitos anos depois.
Kaelion percebeu uma misteriosa agitação em sua lança. A madeira vibrava em suas mãos, e uma luz acinzentada irradiava por toda a lança, como se a arma estivesse respondendo à presença de Elarion. O garoto fechou os olhos por um momento, concentrando-se na sensação que fluía por ele. Era como se a selva canalizasse seu poder através dele, conectando-o àquele lugar.
De repente, ele entendeu: a serpente alada não era apenas uma criatura mágica. Era como se ela simbolizasse a própria selva, uma guardiã das forças primordiais que governavam aquele mundo. E Kaelion, de alguma forma, fazia parte disso.
Sem perceber, ele ergueu a lança, deixando a luz acinzentada momentaneamente se espalhar pelo vale, pois a lança havia terminado seu despertar, algo que ainda estava completamente alheio ao conhecimento de Kaelion. As sombras ao redor começaram a se mover, e, pela primeira vez, ele sentiu que estava no controle. A energia da selva não estava apenas fluindo através dele; estava respondendo a ele. Despertando o seu Códex da Vida.
A serpente, ao ver isso, soltou um rugido mais baixo, quase como uma reverência. As sombras ao redor de Kaelion se solidificaram, formando figuras humanoides com olhos brilhantes, semelhantes aos guardiões das sombras que ele vira antes. Eles o cercaram, não com hostilidade, mas com respeito, como se reconhecessem Kaelion como alguém digno de seu poder. Mas a verdade é que não reconheciam Kaelion, mas sim Elarion, que estava se manifestando nele naquele momento.
Nesse momento, Kaelion não compreendia a profundidade do que estava acontecendo. A selva, as sombras e a serpente alada não o estavam testando como guerreiro, mas estavam o reconhecendo como alguém destinado a algo muito maior. Ele não era apenas uma peça naquele tabuleiro místico; ele era o elo que poderia trazer equilíbrio entre dois mundos, ele era o escolhido pela própria Elarion, mas ainda não sabia.
Seu destino estava cada vez mais envolto em mistério. Seu tempo na selva não havia sido um mero teste de sobrevivência. A própria selva, suas criaturas e seus mistérios pareciam estar moldando-o para um propósito específico: um propósito que Kaelion nunca imaginaria. Ele estava destinado a ser o guardião do equilíbrio entre o mundo dos homens (elfos, humanos, anões, anjos, demônios e deuses) e o mundo das sombras (as criaturas místicas e outras raças). Ele seria aquele que carregaria o peso de proteger essa conexão mística.
Seu destino não seria fácil. Ele significaria abrir mão da vida simples de um guerreiro, de um sobrevivente, e abraçar uma responsabilidade que poderia alterar o destino de todos ao seu redor. Mas, naquele momento, ele não poderia voltar atrás. As forças que moldavam aquele lugar estavam lhe entregando a chave para um futuro que ele ainda não compreendia, mas que era inescapável.
Kaelion, inconscientemente, aceitava o poder e a responsabilidade de Elarion. Ele estava aceitando a ideia de que não era mais apenas um garoto da selva. Ele era o condutor de uma força maior, e essa força o conectava à própria essência do mundo em que estava e das criaturas maravilhosas que o habitavam.
Com um suspiro profundo, Kaelion baixou a lança, mas a luz acinzentada que ela emitia não desapareceu. Ao contrário, parecia brilhar ainda mais intensamente, como se reconhecesse a decisão que ele acabara de tomar. As sombras ao seu redor ficaram imóveis, como se estivessem esperando por sua próxima ação. A serpente alada, ao vê-lo tomar essa decisão, soltou um rugido baixo, um sinal de aprovação, que abalou a floresta inteira.
Agora, sua verdadeira jornada estava apenas começando. Ele não estava ciente, mas não lutaria mais apenas para sobreviver – lutaria para proteger, para equilibrar. Kaelion não era mais o garoto perdido na Região dos Monstros. Agora ele estava dando seus primeiros passos para se tornar o elo entre dois mundos.