Elarion: A Dominação das Bestas (Novel) - Capítulo 10
Em um determinado momento, antes mesmo que Kaelion percebesse, ele havia se integrado completamente ao seu Códex da Vida recém-despertado. Assim que essa integração se completou, os monstros das sombras pararam de surgir. A caverna ficou em silêncio absoluto quando o teste das sombras terminou. Seus passos, antes carregados de incerteza e fragilidade, agora ressoavam com uma nova firmeza. A conexão que ele sentia com Elarion se tornara mais profunda. Ele não era mais apenas um jovem guerreiro que sobrevivera à Região dos Monstros; ele era agora parte de Elarion, parte do próprio coração daquele mundo, como todos os que foram reconhecidos pela terra.
A energia pulsava por seu corpo como uma pequena nascente de um rio, sendo o indício de um frágil, mas constante preenchimento de poder que vinha diretamente das profundezas da selva. Sua lança, agora com um brilho prateado constante, parecia ter se transformado. Ela não era mais apenas uma arma, mas sim uma extensão de seu corpo.
À sua frente, o guardião ancestral observava em silêncio, seus olhos incandescentes fixos em Kaelion. O teste havia terminado, mas o verdadeiro desafio estava apenas começando.
“Você passou pelo teste, pequena criatura”, disse o guardião, sua voz retumbante reverberando novamente pela mente de Kaelion. “Espero que viva o suficiente para manter e desenvolver esse poder que recebeu, garoto.”
Kaelion sentiu o peso dessas palavras. Algo dentro dele havia despertado, mas ele ainda não sabia o que era. Ele havia recebido grandes benefícios desse misterioso despertar. Tentou procurar em si o que havia mudado, ou qual seria a fonte dessa mudança, mas estranhamente, não conseguia encontrar nada de diferente.
“O que despertou? O que é um Códex da Vida? E por que minha lança está brilhando?”, perguntou Kaelion timidamente. Ele não conseguia compreender nada; tudo parecia um grande mistério no qual ele havia sido jogado, sem qualquer tipo de instrução.
O guardião sorriu macabramente, seus olhos brilhando como se fossem queimar a alma de Kaelion, e respondeu: “Espero te encontrar novamente.”
Com essas palavras, o guardião se dissolveu nas sombras, deixando Kaelion sozinho no centro de uma pequena pradaria. Não havia mais caverna, torre ou inscrições. Ele não sabia como havia chegado ali, mas sabia que precisava continuar. Ele precisava desesperadamente voltar para Valeryn.
Com sua força de vontade renovada, mas ainda com muitas perguntas e dúvidas, Kaelion retomou sua caminhada de volta para Valeryn.
À medida que se aproximava da fronteira com Valeryn, Kaelion sentiu uma inquietação crescente. O ar estava mais pesado, e ele podia ouvir os ecos distantes de gritos e o som de metais se chocando. Valeryn estava em perigo. Kaelion apertou o passo. Uma batalha estava próxima.
Quando Kaelion finalmente avistou Valeryn, uma cena de caos se desenrolava diante dele. As muralhas da fortaleza estavam sob ataque, e hordas de bestas avançavam em ondas contra os portões.
Ele avistou diversas bestas distintas, como os gigantescos ursos ósseos, os cães infernais, lobos presa de aço, ratos carniçais, javalis da pele de pedra e falcões da noite.
Kaelion não conseguia entender por que essas bestas estavam juntas. Elas viviam separadas na selva, se caçando e se protegendo para sobreviver. Em qualquer oportunidade, uma caçaria a outra, mas, por alguma razão, estavam unidas, atacando as muralhas e portões de Valeryn.
Os soldados de Valeryn lutavam bravamente, mas Kaelion podia ver que estavam em desvantagem. A cada minuto, os gritos de agonia e dor aumentavam, reverberando junto aos rugidos das bestas. O cheiro de sangue se intensificava, tornando o ar sufocante. Kaelion, ao se aproximar das muralhas, sentia uma crescente ânsia. Quando pisou em uma poça de sangue tão escuro que estava quase preto, ele não conseguiu diferenciar se era dos homens ou das bestas. O maior choque veio quando olhou para o lado e viu um dos guardas que sempre o assistia treinar, partido ao meio, com a cabeça semiaberta, enquanto um grupo de ratos carniçais devorava suas entranhas. Tomado por pânico, pavor e nojo, Kaelion vomitou, sentindo a bile queimando sua garganta.
Ainda em choque, Kaelion gritou ao observar uma jovem, com aproximadamente sua idade, completamente estripada, sendo devorada por uma cobra de olho de jade, que a consumia pela região pélvica, devastada pelos pedaços arrancados.
Seu grito atraiu a atenção de algumas bestas, que até então estavam entretidas com os cadáveres, mas agora avançavam em sua direção, com olhos ferozes e uma sede insaciável pela caçada.
Kaelion, ainda jovem (somente 10 anos) e frágil, nunca havia experimentado o terror real de uma carnificina. Em choque, ele não conseguiu se manter em pé e caiu ao chão. Nesse momento de descuido, um lobo presa de aço surgiu ao seu lado, avançando violentamente em direção à sua garganta. Mas, pouco antes de ser atingido, uma flecha acertou o lobo.
No centro, próximo ao portão principal, Darius lutava com uma fúria descomunal, como um gigante em meio aos monstros. Sua espada longa e armadura brilhavam em um intenso tom de azul, partindo todas as bestas como se fossem nada, mas elas pareciam surgir de todos os lados. De repente, ele ouviu o grito abafado, mas angustiado, de Kaelion. Ao olhar, viu o garoto caído, com um lobo presa de aço ao lado, surpreendentemente salvo por uma flecha.
Darius, em um rompante, deslocou-se até Kaelion e gritou: “Garoto, agora não é momento para pânico! Se não quiser acabar como esses cadáveres, levante-se e defenda-se! Sua vida é sua responsabilidade”, em seguida, virou-se e saiu, deixando o menino sozinho.
Kaelion não teve muito tempo para pensar. Ele se ergueu, sabendo que precisava se manter vivo e se defender.
A batalha no portão de Valeryn continuava feroz quando Kaelion entrou no campo de batalha. Os soldados lutavam bravamente, mas a cada onda de bestas, eram forçados a recuar. O caos era absoluto.
Kaelion lutava com agilidade e precisão. Sua lança cortava o ar com força, e cada golpe era letal. As bestas, inicialmente selvagens, começaram a hesitar ao se aproximar de Kaelion, mas logo atacavam com fúria.
Ele se esquivava de garras e mandíbulas, desferindo golpes letais. A cada criatura derrotada, outras surgiam. A batalha parecia interminável, mas Kaelion não podia recuar.
Seus sentidos estavam mais aguçados do que nunca. Ele podia sentir cada movimento ao seu redor – o ritmo da batalha, os gritos dos soldados, o som de sua lança cortando carne e quebrando ossos.
“Precisamos acabar com isso”, murmurou Kaelion, enquanto empalava outra besta.
Mas antes que percebesse, algo o atingiu com força devastadora. Ele foi arremessado ao chão, com feridas abertas em suas costas. O gosto metálico de sangue encheu sua boca, e ele viu a figura que o atacara.
Era um colossal lobo sombrio, envolto em sombras pulsantes, com olhos vermelhos como a lua. Sua pelagem roxa escura parecia uma chama, e seus dentes e garras, manchados de sangue, brilhavam intensamente.
A criatura avançou novamente, e Kaelion mal teve tempo de se esquivar. Essa não era uma besta comum – era mais forte e rápida que tudo o que já enfrentara. Se ele quisesse sobreviver, precisaria derrotar esse inimigo.
Kaelion respirou fundo, ergueu sua lança e se jogou para o lado, desviando do ataque. Tentou contra-atacar, mas o Lobo era muito veloz. A criatura avançou novamente, suas garras rasgando o ar. Kaelion desviou e girou a lança para bloquear o golpe. O impacto ressoou como um trovão. Mas Kaelion estava preparado.
Usando o impulso do ataque, deslizou para o lado e desferiu um golpe direto na lateral da criatura. A lança perfurou sua pelagem, mas o lobo sombrio rugiu de dor e fúria, derrubando Kaelion com um golpe.
Ele não poderia vencer com força bruta. Antes que pudesse reagir, Darius soltou um grito colossal, liberando uma luz dourada que varreu o campo de batalha, obliterando as bestas mais fracas e ferindo as mais fortes.
O lobo sombrio, ao ser atingido pela luz, foi arremessado para o lado, sofrendo ferimentos graves. Suas costelas e patas estavam quebradas, e sua mandíbula deslocada. Apesar de ser uma criatura fora do comum, o lobo estava completamente incapacitado. Kaelion correu até ele, com sua lança em punho, mas antes de atacá-lo, sentiu uma estranha sensação que o compeliu a parar. Ele então pediu a alguns soldados que amarrassem a criatura e a enjaulassem.
Os soldados não questionaram, pois haviam testemunhado as contribuições de Kaelion na batalha.
Com o grande volume de bestas dizimadas ao redor de Valeryn, as criaturas sobreviventes e as que ainda emergiam da floresta começaram a se dispersar, retornando para a selva sombria. Os soldados, exaustos, mas vitoriosos, ergueram suas armas em celebração.
Kaelion, ofegante, segurava sua lança. Ele havia sobrevivido a essa batalha, mas sentia que isso era apenas o começo.
Enquanto olhava para o horizonte, onde as sombras ainda se agitavam. O fim estava longe de ser alcançado.