Elarion: A Dominação das Bestas (Novel) - Capítulo 1
Elarion. Um mundo antigo, moldado por forças que nenhum homem pode compreender completamente. Desde os tempos imemoriais, esse mundo era dividido entre os reinos dos homens e as vastas terras onde as criaturas dominavam. As Regiões Selvagens se estendiam além dos limites do que era considerado seguro pelos humanos. Nestas terras inóspitas, monstros colossais vagavam livremente, e o próprio solo parecia pulsar com a magia antiga que havia criado a vida há incontáveis eras.
O equilíbrio entre humanos e criaturas sempre foi frágil. Os homens, com suas cidades muradas e fortificações de pedra, viviam em constante temor das bestas que dominavam os desertos, montanhas e florestas. As lendas dos domadores – aqueles capazes de controlar essas criaturas – haviam sido esquecidas. Restava apenas o medo.
Nas sombras das Regiões dos Monstros, onde a luz do sol mal alcança o solo e o ar é denso com o cheiro da morte, a vida humana era praticamente impossível. Nenhuma civilização ousava erguer-se ali, e as poucas tentativas de adentrar essas terras eram sempre ceifadas pela selvageria incontrolável das criaturas.
E foi exatamente neste lugar, onde a escuridão reinava, que um garoto humano caminhava sozinho. Kaelion, um jovem de oito anos, envolto em trapos sujos e rasgados, vagava sem destino. Seus cabelos brancos e olhos heterocrômicos – um dourado como o sol e o outro roxo como as profundezas do abismo – refletiam a luz fraca que penetrava a floresta densa. Seus pés descalços estavam sujos de lama e sangue seco, resultado de sua longa e penosa jornada.
Kaelion havia sido lançado na Região dos Monstros sem explicação, sem memória clara de como ou por quê. Ele apenas se lembrava de um dia estar em sua aldeia, entre as montanhas, cercado por sua família… e no outro, a aldeia estava em chamas, envolta no caos. Seus pais – figuras nebulosas em sua mente – gritavam para que ele corresse. Então, tudo se desfez. As criaturas atacaram, e Kaelion foi levado pela corrente do caos até este lugar amaldiçoado, onde ninguém deveria sobreviver.
Agora, sozinho, ele enfrentava a escuridão.
A floresta ao redor de Kaelion era um labirinto de árvores torcidas e raízes expostas, como mãos gigantescas que emergiam da terra para agarrá-lo. O ar era espesso e quente, carregado com o cheiro de carne em decomposição e umidade sufocante. O garoto avançava com cautela, seus passos quase inaudíveis na densa vegetação. Mas ele sabia que não estava sozinho.
Nas sombras entre as árvores, os lobos sombrios se moviam com uma graça macabra. Eram grandes, maiores do que qualquer lobo que Kaelion já tivesse visto, com pelagens escuras como a noite mais profunda, misturando-se perfeitamente ao ambiente ao redor. Seus olhos, de um vermelho incandescente, eram os únicos sinais de vida nas sombras, brilhando como brasas prestes a incendiar.
O menino sentia suas presenças – não apenas seus olhares, mas o calor e a energia que emanava deles. Os lobos o cercavam de perto, seus corpos poderosos prontos para saltar sobre ele a qualquer momento. Seus focinhos arfavam de maneira irregular, o hálito pútrido exalando um fedor de sangue e carne apodrecida. Kaelion quase podia sentir o desejo deles de rasgar sua carne e devorá-lo ali mesmo, naquela clareira solitária.
Seus corações batiam em uníssono com o som das patas dos lobos tocando suavemente o solo. Eles não tinham pressa. Eram predadores pacientes, brincando com a presa. Kaelion via isso, e sua pele arrepiava-se com cada movimento furtivo que eles faziam nas sombras.
Mas o que os impedia de atacar? Qualquer outra criatura já estaria destroçada sob as garras daqueles monstros. Havia algo em Kaelion, uma presença oculta que ele mesmo não compreendia, mas que os lobos sentiam. Embora desejassem a carne do garoto, algo mais forte os fazia hesitar. Eles rosnavam baixinho, os dentes à mostra, salivando, mas incapazes de cruzar o limite invisível que os mantinha à distância.
Kaelion, ciente dos lobos que o cercavam, continuava a andar, mas seus olhos constantemente se voltavam para o céu nublado. Ele achava que algo maior estava por vir. Era como se o ar ao seu redor estivesse ficando mais pesado, mais denso, carregado de eletricidade. E então, ele ouviu.
O som não era como nada que ele já tivesse escutado antes – um rugido profundo que reverberava nas montanhas, sacudindo as árvores ao redor. As nuvens no céu começaram a se mover de forma anormal, e uma sombra enorme passou sobre Kaelion, bloqueando a pouca luz que restava.
A serpente alada apareceu.
Ela era imensa, uma criatura colossal que parecia moldada a partir da própria escuridão. Suas escamas eram prateadas, mas tão sujas e marcadas pelo tempo que brilhavam como a lua morta sobre as montanhas. Suas asas eram longas e membranosas, estendendo-se por dezenas de metros, criando um vento que sacudia as árvores e fazia os lobos recuarem ainda mais. O bater de suas asas criava um som que fazia a terra vibrar sob os pés de Kaelion.
O garoto observava, imóvel, enquanto a serpente descia das alturas, aproximando-se como se fosse dona daquele lugar. Seus olhos, grandes como faróis, brilhavam com uma inteligência fria e penetrante. O olhar da Serpente fixou-se em Kaelion, avaliando-o, como se estivesse tentando entender o que ele era.
A sua boca, com fileiras de dentes afiados, se abria levemente, revelando um brilho interior de pura energia. Kaelion sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era uma criatura que poderia esmagá-lo em um único golpe, uma besta nascida das eras antigas, uma força primitiva e implacável.
No entanto, apesar de seu tamanho imenso e poder destrutivo, ela não atacava. Em vez disso, pairava sobre Kaelion, suas asas batendo lentamente, como se estivesse se comunicando com ele em um nível que ia além das palavras.
Ela o conhecia.
De alguma forma, Kaelion sentia que aquela criatura não era estranha. Havia uma memória vaga, como um sonho que nunca se realizara por completo. Algo sobre seus pais… a serpente… Ele não tinha certeza, mas a ideia de que essa criatura estava conectada à sua família nunca o deixava.
Ela o observou por mais um momento, então se ergueu de volta aos céus, desaparecendo nas nuvens espessas. O som de suas asas batendo ecoou pela floresta até que o silêncio voltou a dominar o ambiente. Os lobos, que antes cercavam Kaelion com fome, agora estavam de volta às sombras, receosos da presença da serpente.
Kaelion estava sozinho novamente. Mas cogitava que, de alguma forma, aquela criatura o estava protegendo. Mas por quê? E como seus pais estavam ligados a ela? Essas perguntas pairavam em sua mente, mas as respostas pareciam tão distantes quanto o próximo amanhecer.
O tempo passava devagar na Região dos Monstros. Os dias e noites se misturavam em uma sequência interminável de escuridão e perigos. Kaelion continuava a sobreviver, vagando pela floresta, alimentando-se do que podia encontrar – frutos amargos, pequenos animais que conseguia capturar. Ele aprendera a caçar como as criaturas ao seu redor, agora era parte daquele mundo, um menino que sobrevivia onde os homens temiam sequer entrar.
Sua mente, no entanto, estava sempre no momento em que a serpente alada retornaria. Pressentindo, de alguma forma, que a sua jornada estava apenas começando. O mundo ao seu redor, as criaturas, e até mesmo os ecos das antigas lendas dos domadores começavam a se tornar parte de sua realidade.