A Sombra do Criador (Novel) - Capítulo 4
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Capítulo 4: A aposta
ficou paralisado ao ouvir a voz de sua mãe. Ele se virou bruscamente na direção de onde o som parecia vir, mas não havia ninguém. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas nenhuma delas escorreu. Com um gesto rápido, secou os olhos com o braço e abaixou a cabeça, fixando o olhar no chão.
Seu coração estava pesado. Apesar de saber que tudo aquilo era real, ele ainda nutria uma tênue esperança de acordar desse pesadelo. A morte de sua mãe o corroía por dentro; cada segundo de seu dia era um tormento incessante. Mesmo lutando para não sucumbir às emoções, ouvir a voz de sua mãe, ainda que ilusória, lhe trouxe uma esperança falsa, uma ilusão de que talvez nada tivesse acontecido.
“Acorde, Raven.” — murmurou para si mesmo enquanto socava o chão. “Aqui não há espaço para falsas esperanças.”
Ele levantou os olhos para o teto, mergulhando novamente em seus pensamentos sombrios.
Sua mente pregava peças cruéis; seu inconsciente criava esses delírios como resultado do ambiente opressivo e sem vida em que estava preso. A falta de contato humano estava lentamente o enlouquecendo. A exaustão mental o consumia dia após dia, e ele sussurrou para o vazio:
“Fazer-me ouvir a voz da minha mãe… isso é crueldade demais, não acha?”
Com um olhar deprimido, abaixou a cabeça, revisitando mentalmente cada momento do trauma Raven que havia vivido. A memória do anjo rindo da morte de sua mãe o assombrava. A tortura psicológica era tão intensa que ele mordeu os próprios lábios até rasgá-los, uma expressão de tristeza e ódio dominando seu rosto.
Seu ressentimento pelo anjo Ismael era infinito, mas Raven sabia que não podia deixar-se consumir por ele. Seus objetivos eram claros, e ele não permitiria que o ódio o desviasse do caminho.
Raven encolheu-se, encostando a cabeça nos joelhos enquanto se sentava no chão, apoiado na parede. A expressão melancólica refletia o turbilhão de emoções dentro dele. Lembrou-se de como sua mãe, mesmo diante das maiores dificuldades, nunca deixava de sorrir.
“Ela não iria querer que eu sofresse tanto assim,” pensou, tentando convencer a si mesmo a deixar o luto de lado. Embora nada tivesse mudado, um pequeno sorriso escapou ao recordar a felicidade que ela sempre transmitia.
Raven passou o restante do dia no chão, perdido em reflexões sobre as emoções que o torturavam de forma inconsciente. Decidiu que precisava enfrentá-las, manter-se lúcido em meio àquele ambiente ameaçador, projetado para enlouquecer qualquer um.
No sétimo dia, após horas de introspecção, Raven se levantou mais calmo do que no dia anterior. Mas sabia que precisava extravasar o ódio e o ressentimento que nutria por Ismael. Raven rapidamente Cumpriu sua rotina diária de exercícios, mas não era o suficiente. Ele então começou a golpear as paredes com os punhos. Os impactos não danificavam a sala, mas suas mãos sofriam as consequências. Cada soco fazia os ossos estralarem, ecoando pela sala, misturados aos suspiros e gemidos de dor.
Raven ajustava a postura dos socos com base nos conhecimentos de luta que absorveu em programas de televisão. Após algum tempo, seus punhos estavam destruídos. Exausto, deitou-se de costas no chão, com as mãos sobre o peito, aguardando que se curassem. Apesar da dor excruciante, ele mantinha um olhar sério, fixo no nada. A dor era evidente, mas, comparada ao sofrimento emocional dos últimos dias, parecia fácil de suportar. Suas mãos levaram quarenta minutos para se regenerarem completamente, algo que ele achou intrigante. Decidiu continuar com esse tipo de treino por mais algum tempo.
Raven também começou a desenvolver um estilo de movimentação baseado no boxe. Suas pernas, fortalecidas pelos agachamentos, eram poderosas o suficiente para permitir que ele cruzasse a sala com um único salto, tornando-se cada vez mais rápido com as tentativas.
Incorporou os golpes à sua rotina de treino, junto com a prática de aumentar sua tolerância à dor e sua regeneração corporal através da automutilação e do novo estilo de movimentação.
Seu cérebro já estava completamente fora da realidade. Uma semana naquele lugar havia distorcido seu senso de normalidade. Uma pessoa comum jamais se sujeitaria a tais atos contra si mesma ou agiria como se aquele lugar fosse sua casa. Porém, Raven tinha um forte desejo de sobreviver e se fortalecer para escapar dali. Ele sabia que, naquele momento, enfrentar Ismael era impossível.
No nono dia, Raven havia dominado a movimentação. Ele conseguia se deslocar de uma ponta a outra da sala em um segundo, embora não pudesse repetir isso muitas vezes seguidas.
Seus punhos estavam calejados e robustos, e seus golpes começavam a rachar a parede — um reflexo dos treinos intensos. No entanto, a parede logo se restaurava, voltando ao estado original em milésimos de segundo. Raven não enfrentava limitações físicas em seu treinamento, graças às propriedades especiais da sala. Ele treinava até a exaustão e aguardava sua regeneração antes de recomeçar o ciclo. Essa rotina insana o satisfazia, pois os resultados eram rápidos e visíveis. Seu corpo já havia atingido uma maturidade muscular notável e, embora estivesse ali há pouco tempo, seu físico começava a se assemelhar ao de um atleta.
Raven sentou-se para meditar, quando, de repente, seus olhos começaram a latejar de dor, acompanhados por uma dor de cabeça que o atormentava desde os primeiros dias preso. Sua primeira reação foi fechar os olhos e analisar a situação. A dor vinha de sua visão. Mesmo passando algumas horas do dia de olhos fechados para descansar a mente, a luz emanada pelas paredes continuava a afetá-lo, tornando sua visão cada vez mais sensível. Decidiu, então, manter os olhos fechados o máximo possível, abrindo-os apenas quando necessário.
“Quando esse anjo de merda vai aparecer?” — pensou, demonstrando uma leve ansiedade. No entanto, seu rosto revelava uma preocupação profunda. Mesmo preso naquele ambiente, Raven estava se adaptando de forma singular.
No décimo dia, Raven se exercitava de olhos fechados. Nesse período, ele dominou completamente os exercícios e aumentou as repetições para quatrocentas em cada série muscular.
Seu físico havia alcançado um nível avançado; ele já era mais forte do que a maior parte da população humana comum. Conseguia sustentar seu peso corporal com uma única mão, de cabeça para baixo. Além disso, nunca deixava de contar o tempo que passava na sala, e dominou a arte de se mover livremente dentro da sala sem usar os olhos. Nos últimos dias, as vozes de sua mãe se intensificaram, e por vezes ele até sentiu como se ela o estivesse tocando, mas mantinha os olhos fechados, ignorando o ambiente ao máximo.
As vozes continuavam a chamá-lo. Apesar de sua adaptação, Raven não conseguia evitar a insanidade e a depressão que o ambiente gerava.
No décimo segundo dia, Raven estava deitado no chão, com um olhar vazio. A solidão, sem interação com outros seres vivos, o fazia perder as esperanças de sair dali. Ele se perguntava o porquê de ainda estar vivo.
Permaneceu imóvel no chão o dia todo, de olhos fechados, esperando acordar daquele inferno. Foi então que notou uma leve mudança na iluminação da sala. Sabia que nada ali era por acaso, mas decidiu observar mais antes de tirar conclusões precipitadas.
Percebeu um padrão: a tonalidade da luz mudava conforme ele demonstrava emoções negativas. Isso acontecia frequentemente durante seus surtos emocionais, especialmente quando chorava pelo luto.
Raven fingiu não perceber a mudança na luz, mas continuou analisando-a pelo resto do dia.
No décimo terceiro dia, ele confirmou o padrão que suspeitava. Sua intuição lhe dizia que o anjo o observava o tempo todo. Um sorriso de satisfação escapou-lhe ao descobrir tal coisa.
“Já sei como te trazer aqui, seu anjo desgraçado,” — pensou, mantendo um olhar sério, sem demonstrar qualquer emoção.
No décimo quarto dia, Raven treinou por algumas horas, mas, depois, passou o restante do tempo fingindo estar perdendo o controle de si mesmo. De certa forma, não era apenas encenação. Ele realmente estava à beira da insanidade devido ao ambiente. Sua personalidade estava mudando, ele se tornava alguém diferente, mas o amor por sua mãe permanecia intacto. Então, começou a planejar um espetáculo para o anjo que o observava.
No décimo quinto dia, Raven fingiu estar delirando, balançando a cabeça de um lado para o outro na sala. Andava em círculos pelo ambiente. A única verdade é que as vozes o atormentavam a cada segundo. Ele estava enlouquecendo, mas se lembrou da promessa de se manter vivo por sua mãe. Então, pôs em prática um plano extremo. Apesar do temor de que algo desse errado, decidiu seguir adiante.
Raven se levantou bruscamente, correndo em direção à parede. Sem hesitar, lançou sua cabeça contra ela com toda a força que possuía. O impacto foi brutal; uma dor lancinante explodiu em sua mente, mas ele não recuou. Continuou repetindo o gesto, golpeando a parede com a cabeça diversas vezes. O som do crânio colidindo com a superfície ecoava pela sala, misturado ao ruído abafado de sua respiração pesada. Sangue começou a escorrer por sua testa, manchando sua pele pálida.
Os gemidos de dor intensificaram-se, mas Raven não parou. Ele sabia que precisava ir além, que precisava despertar o interesse de seu observador. Finalmente, após inúmeras investidas, caiu ao chão, exausto e coberto de sangue. Sua visão começou a turvar, mas um sorriso frio curvou seus lábios. Seu plano estava funcionando.
O silêncio tomou conta da sala. Raven permanecia deitado no chão, respirando de forma irregular. Ele sabia que seu corpo se regeneraria eventualmente, mas o impacto psicológico e físico que infligira a si mesmo era inegável. Agora, precisava que o anjo acreditasse que ele havia perdido completamente o controle, que estava à beira da loucura. Era um risco, mas a única chance que via de atrair seu inimigo.
Por um momento, fechou os olhos, concentrando-se em sentir qualquer presença ao seu redor.
“Venha, seu desgraçado… Eu sei que você está me observando”, pensou, mantendo sua mente focada no objetivo. Precisava de uma abertura, uma oportunidade de arrancar ao menos alguma informação. Sabia que não poderia vencer o anjo, mas qualquer coisa que conseguisse seria uma vitória em meio ao caos.
De repente, uma leve mudança na atmosfera da sala fez com que Raven abrisse os olhos. A luz ao seu redor começou a pulsar, quase imperceptivelmente, como se reagisse às emoções que ele estava expressando. Sua visão, ainda embaçada pelo sangue que escorria, captou um movimento sutil nas luzes. Algo estava acontecendo. Raven sentiu que seu esforço estava prestes a ser recompensado.
Manteve o olhar fixo no teto, esperando que a presença se manifestasse por completo. A dor em sua cabeça começava a diminuir, graças à regeneração acelerada de seu corpo, mas sabia que precisava continuar aparentando fraqueza.
— Apareça logo… — murmurou para si mesmo, forçando-se a manter a expressão de desespero.
E então, como se atendendo a um chamado silencioso, uma figura etérea começou a se materializar diante dele. O ambiente ao redor esfriou, e uma luz pálida envolveu o espaço, destacando a silhueta que emergia da penumbra. Era uma presença angelical.
Raven reprimiu o impulso de se levantar imediatamente. Em vez disso, permaneceu imóvel, seus olhos fixos na figura que se aproximava lentamente. Ismael, o anjo que ele tanto odiava, estava finalmente ali, no mesmo espaço que ele. Cada fibra do corpo de Raven clamava por vingança, mas ele sabia que precisava ser calculista. O momento que tanto esperava havia chegado, e qualquer movimento errado poderia arruinar tudo.
Ismael flutuou até próximo de Raven, observando-o com um olhar penetrante, como se sondasse cada pensamento do jovem.
— Você realmente se deteriorou rápido, mortal — a voz do anjo era fria, mas havia nela um toque de diversão, como se saboreasse o sofrimento de Raven.
Raven não respondeu imediatamente. Deixou que sua respiração irregular e o sangue em seu rosto falassem por si. Queria que Ismael acreditasse que estava quebrado, que já não tinha mais forças para resistir.
O anjo se aproximou ainda mais, inclinando-se para examinar melhor o rosto de Raven.
— Está tentando me enganar? — ele sussurrou, um sorriso de desprezo se formando em seus lábios pálidos. — Acha mesmo que pode me enganar, criatura insignificante?
Uma onda de raiva cresceu dentro de Raven, mas ele se forçou a manter a expressão de fraqueza. Seus lábios tremeram, como se estivesse prestes a falar, mas sua voz saiu fraca e entrecortada:
— Por… por quê? Por que fez isso… com ela?
O sorriso de Ismael se ampliou, e ele riu baixinho, como se a pergunta de Raven fosse uma piada que apenas ele entendesse.
— Porque ela estava no caminho.
As palavras do anjo foram como facas cravadas no peito de Raven. Ele fechou os olhos por um breve momento, deixando a dor transparecer em seu rosto. Mas por dentro, ele estava calculando, esperando o momento certo para agir.
Ismael continuava a observá-lo, divertido pela agonia que via, e começou a rir alto.
— Hahahaha! Sério, vocês humanos são hilários. A primeira coisa que você me pergunta após ficar quinze dias preso dentro do Cubo da Perdição é sobre sua “mamãezinha” morta?
Raven mordeu os lábios novamente. Seu ódio transbordava, mas ele manteve o rosto assustado, convencendo o anjo de que não passava de um jovem aterrorizado.
Então, fitando os olhos azuis de Ismael, Raven questionou:
— Me responda, seu monstro, por que você não me matou?
Raven mantinha a feição assustada, embora soubesse que poderia ser eliminado a qualquer momento. Raven apostou que não seria executado tão facilmente. Se não houvesse um motivo plausível, o anjo já teria eliminado ele junto de sua mãe.
Com um olhar surpreso, mas ainda com desdém, o anjo respondeu:
— Bom, já que você quer saber, eu vou te dizer.
Assim que o anjo termin
ou a frase, Raven forçou-se a exibir um olhar amedrontado em seu rosto, ansioso por respostas.
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ilustração de Ismael: