A Sombra do Criador (Novel) - Capítulo 15
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Capítulo 15: Ciclos.
Apenas começando? Raven se perguntou, seus olhos estreitando em uma feição enigmática. Sua mente fervilhava com centenas de fórmulas teóricas e encantamentos baseados em antigas línguas, especialmente o latim, onde ele acreditava residir o segredo para controlar a magia rúnica.
No entanto, ele sabia que todo esse conhecimento teórico não bastaria. Seu entendimento sobre a mana, a força primordial por trás da magia, era superficial, uma lacuna que ele precisava preencher urgentemente.
O ar ao seu redor parecia vibrar de leve, e ele sussurrou para o vazio com um tom curioso, embora carregado de uma sede insaciável de respostas:
— O que é a mana? Como ela flui e se molda? — Sua voz ecoou suavemente no ambiente, quase como se a própria magia ao seu redor estivesse ouvindo sua súplica.
— Qualquer fragmento de conhecimento… Eu preciso entender.
Ele esperou, o coração acelerado, enquanto sua mente já começava a formar teorias, imaginando a mana como uma teia invisível, conectando todas as coisas vivas, ou talvez um rio poderoso e incontrolável que apenas os mais sábios poderiam aprender a desviar.
O Vazio manteve seu olhar sereno sobre Raven, observando a inquietação e a sede de conhecimento do aprendiz. Sua voz, quando falou, parecia ecoar em um plano distante, quase como se a resposta estivesse surgindo de um lugar muito além daquele momento.
— Mana… — começou o Vazio, sua voz grave e serena. — A mana é a essência que permeia tudo e todos, um fluxo invisível que conecta o mundo ao seu tecido mais profundo. A mana não tem dono, não tem forma. Ela flui, como o ar… como a própria vida. Flui como o ar que você respira, como a luz que você vê, como o tempo que você sente passar. A mana é a base de toda magia, mas também vai além disso.
Ele fez uma pausa, observando Raven atentamente, como se quisesse que cada palavra ressoasse na mente do jovem.
— Ela é vida e morte, criação e destruição, caos e ordem. Quando você molda a mana, está interagindo diretamente com as leis fundamentais do universo, dobrando-as à sua vontade. Mas lembre-se, Raven, a mana não é apenas uma ferramenta. Ela tem suas próprias correntes, seus próprios ritmos, como o fluxo de um rio selvagem. Forçá-la pode trazer o caos. Compreender a mana é como aprender a nadar contra uma correnteza: exige paciência, controle e respeito.
O Vazio levantou uma mão, e de seus dedos um fio de luz pálida começou a se manifestar, ondulando suavemente no ar.
O ar ao redor de Raven pareceu se tornar mais denso, cada partícula vibrando com uma energia quase palpável. O fio de luz que o Vazio conjurou ondulava como se o próprio espaço estivesse sendo dobrado ao seu comando.
— Imagine a mana como uma energia viva, pulsante, em constante movimento. Quando você sente a mana ao seu redor, você está sentindo o próprio mundo respirar, sentir. Quanto mais profunda for sua conexão com ela, mais você poderá moldá-la e usá-la, seja para criar ou desfazer. Mas, assim como o ar não pode ser aprisionado, a mana não pode ser completamente dominada. Ela permite ser canalizada, mas jamais será totalmente controlada. É como um acordo entre o conjurador e a essência primordial do cosmos.
Com um gesto delicado, o fio de luz desapareceu, e o ambiente pareceu reagir em conjunto, como se tudo estivesse entrelaçado pela mesma energia.
— Espero que, com essa explicação breve, você possa começar a entender o que realmente é a mana — disse o Vazio, com um tom reflexivo. — Não é algo simples de explicar. Na verdade, talvez minha explicação não capture toda a sua complexidade. Deixei muitas nuances de lado e resumi o essencial para que você pudesse compreender os fundamentos.
Ele fez uma breve pausa, como se escolhesse com cuidado as próximas palavras.
— A mana é muito mais do que palavras podem descrever. É algo que deve ser vivenciado, sentido em cada fibra do seu ser. Cada experiência com a mana revelará novos aspectos, e quanto mais profundo for seu entendimento, mais perceberá que ela não é apenas uma força a ser usada, mas um mistério a ser desvendado.
O Vazio olhou para Raven, e seu rosto permanecia inexpressivo, sem qualquer reação visível. Em seguida, Raven começou a murmurar, como se estivesse processando o que acabara de ouvir.
— Não, não… Eu não devo forçar a canalização — disse Raven para si mesmo.
— A mana é como uma energia viva. Talvez seja uma espécie de existência semelhante ao Vazio. Não devo manipulá-la com força, e sim guiá-la, como um fio conduzindo eletricidade para alimentar algo.
Um sorriso sutil surgiu nos lábios de Raven. Assim que ele terminou de compreender o modo como a mana deveria ser usada, uma sensação de ruptura começou a se manifestar em seu interior. Uma dor avassaladora atravessou seu corpo, como se algo estivesse prestes a explodir dentro dele. A mana começou a fluir de forma desordenada, transbordando de maneira desigual e caótica.
O Vazio deu um passo rápido em sua direção, seus olhos amplos, refletindo surpresa e preocupação. Sua voz saiu grave e alarmada:
— Não… Isso não deveria estar acontecendo. Você não deveria estar formando o coração da mana agora! — O tom do Vazio carregava urgência. — Você sequer é capaz de lançar feitiços de terceiro ciclo. Como isso é possível?
Ele observava a energia descontrolada que emanava de Raven, tentando processar o que estava acontecendo.
— Seu entendimento somado à mana superior que você possui, por causa da sua linhagem, desencadeou uma iluminação precoce — disse o Vazio, ainda perplexo. — E agora, você está formando um coração de mana de forma inconsciente, sem sequer ter estabelecido uma fundação adequada.
Ele parou por um momento, suas sobrancelhas franzidas em uma mistura de espanto e preocupação.
— O coração de mana é o que permite a um mago armazenar energia mágica. À medida que você avança nos ciclos, esse coração se expande, permitindo o uso de feitiços mais complexos, que exigem um nível maior de mana. Mas… — ele hesitou, olhando Raven com intensidade — você ainda não tem uma fundação. Isso é insano…
Raven sentia seu corpo se fragmentar, como se cada respiração fosse arrancada à força do seu peito. Ele sabia que estava à beira de perder tudo. A dor que dominava seu peito era insuportável, como se seu coração estivesse sendo despedaçado em mil fragmentos. A pressão em seu corpo parecia aumentar a cada segundo, e ele sentia que estava prestes a explodir por dentro. Com o rosto pálido e o suor escorrendo pela testa, ele olhou para o Vazio, sua voz quase um sussurro, cheia de angústia.
— O que… eu faço? — Ele gritou de dor, sua voz se partindo em desespero. — Me ajuda, porra!
O Vazio, por um breve momento, ficou paralisado, os olhos fixos no sofrimento de Raven. Mas rapidamente recuperou o controle, sua expressão se tornando séria e determinada. Ele sabia que havia pouco tempo.
— Raven! — A voz do Vazio era firme e urgente. — Você precisa sentir a mana dentro de você e guiá-la ao seu coração. Sua fundação ainda não existe, então você terá que criá-la agora! Primeiro, encontre a essência mais densa da mana em seu corpo. Ela será mais pesada, mais profunda. Conduza-a pelas suas veias, criando canais para que a mana possa fluir livremente. E depois… — ele fez uma pausa breve, seu tom mais grave. — Depois, leve a mana que está transbordando e forme um círculo dentro do seu coração. É sua única chance!
Antes que o Vazio pudesse terminar a explicação, os olhos de Raven começaram a perder o foco. Sua visão estava turva, e sua consciência se desfazia como areia escapando pelos dedos. O som ao redor parecia distante, abafado, e ele sentiu que estava prestes a ceder à escuridão.
Então, uma voz suave cortou o caos. Uma voz que ele conhecia desde a infância, que aquecia seu coração mesmo nos momentos mais sombrios. Era sua mãe.
— Filho, você consegue — ela disse, a voz doce e segura, como um abraço invisível.
As palavras penetraram sua mente com a força de uma âncora. Raven abriu os olhos, respirando fundo, a dor ainda lancinante, mas algo dentro dele se acendeu. Ele balançou a cabeça, tentando clarear os pensamentos, e concentrou-se.
Com o corpo estremecendo, ele começou a procurar a mana. Sentia os fluxos selvagens e caóticos dentro de si, mas logo percebeu a diferença: havia uma corrente mais densa, mais concentrada. Era a essência que o Vazio mencionara. Agarrando-se à força de vontade recém-renovada, Raven começou a guiá-la, empurrando a mana por dentro de suas veias, criando os canais necessários.
Cada movimento era uma batalha contra a dor, mas Raven avançava, sentindo as correntes se estabilizarem lentamente. O transbordamento ainda era intenso, mas, ao invés de deixá-lo escapar, ele o direcionava, conduzindo-o ao coração. Um círculo, ele pensou, com a voz do Vazio ecoando em sua mente. Um círculo dentro do coração.
Enquanto sua consciência vacilava, Raven lutava, guiado pelas palavras de sua mãe e pelo conhecimento que tinha acabado de aprender. Sentia o poder tomando forma, o círculo começando a se formar, ainda imperfeito, e insuficiente para estabilizar a energia.
O tempo parecia acelerar ao redor de Raven, cada segundo uma eternidade, enquanto a dor em seu peito queimava como brasas incandescentes. Ele sabia que, se não agisse rápido, perderia o controle e a mana o consumiria por dentro. Desesperado, uma ideia insana surgiu em sua mente, sua última tentativa para estabilizar o caos que o devorava.
Raven lembrou-se de um cântico antigo, derivado de uma oração em latim, que ele adaptaria e dirigiria à mana. O cântico se chamava “Preces de um Fiel”, um conhecimento tão esquecido que raramente aparecia até nos livros mais antigos. Ele nunca o tinha estudado formalmente, mas algo nas profundezas de sua memória se lembrava. Não era uma fórmula, nem um feitiço comum, mas uma prece. Uma invocação à própria essência da mana, conectando seu poder ao círculo que ele tentava formar em seu coração. Parecia loucura, mas naquele instante, Raven sabia que era sua única chance.
Com uma respiração trêmula e os olhos semicerrados de dor, ele começou a murmurar as palavras. Elas fluíram de sua boca quase por instinto, como se sempre estivessem ali, esperando para serem pronunciadas. Sua voz era fraca no início, mas à medida que falava, o som ganhava força e o ar ao redor parecia vibrar.
Então, em latim, ele transcreveu a oração ao redor do círculo em seu coração:
— “Ó, essência que permeia tudo, ouça o meu chamado. Mana que flui entre o visível e o invisível, seja minha guia. Não te possuo, não te comando, mas te imploro: flui em mim como o rio segue seu curso. Que tuas correntes encontrem caminho em meu coração, e que o círculo sagrado seja selado. Não sou teu senhor, sou apenas um usuário; pelo poder que dás, clamo por tua harmonia. Alinha-te ao meu ser, e me permite existir em teu fluxo. Que assim seja.”
As palavras ecoaram no espaço vazio, ressoando como um cântico antigo. A mana, antes descontrolada, pareceu hesitar, como se escutasse. O círculo em seu coração começou a se consolidar, lentamente, mas com firmeza. A dor ainda pulsava, mas agora havia ritmo, uma cadência. A energia começava a responder, moldada pela oração.
O Vazio, que observava tudo com os olhos arregalados, sentiu a mudança no ar. Não podia acreditar no que estava vendo — Raven estava moldando a mana de uma forma que apenas conjuradores veteranos ousavam tentar. E, ainda assim, ali estava ele, forjando um coração de mana, criando uma fundação a partir de puro instinto e desespero, usando uma oração que poucos conheciam.
Raven sentiu a pressão em seu corpo diminuir. O círculo em seu coração pulsava com uma força renovada, ainda instável, mas funcional. O transbordamento de mana estava sendo absorvido, direcionado para os canais que ele criara. Ele respirou fundo, sua mente clareando aos poucos.
Então, com um suspiro de alívio, Raven sussurrou:
— Parece que consegui…
O Vazio não demonstrou nenhuma emoção visível, mas sua voz estava cheia de uma convicção surpreendente.
— Raven, você tem noção do que acabou de fazer? Você se conectou diretamente com a mana. Isso é algo que eu jamais presenciei. Ela não apenas respondeu às suas preces, como também se assentou em seu coração. O círculo que você formou está perfeito, e não só isso — nem mesmo eu consigo analisá-lo completamente. Talvez você seja o primeiro a forjar um coração de mana dessa forma. Estou curioso para ver como essa iluminação vai se refletir em suas habilidades.
Raven esboçou um sorriso satisfeito, o peso da realização começando a aflorar em seus olhos.
— Eu também estou surpreso. Quem diria que o hábito de ler antigos textos em latim serviria para algo assim? Consegui adaptar uma oração e direcioná-la para outra entidade. — Ele sorriu de canto e, com um brilho de excitação nos olhos, perguntou: — Posso testar algo?
O Vazio balançou a cabeça, ainda atônito.
— Você realmente me preocupou, Raven. E continua me surpreendendo. Faça o que quiser, tente. Mas lembre-se: sua mana pode estar no nível de um mago de terceiro ciclo, mas seu conhecimento em entoação de feitiços é ainda de um iniciante. Se errar, pode acabar se explodindo. E, mesmo que você não morra por causa dessa sua regeneração insana, pode danificar permanentemente sua fundação de mana. Se você não tivesse formado o coração de mana e liberado as veias antes, teria se tornado um vegetal, mesmo que seu corpo continuasse vivo.
O tom de alerta do Vazio era claro, mas Raven estava tomado por uma confiança recém-descoberta. Ele sabia que o poder recém-conquistado vinha com riscos
, mas algo dentro dele ansiava por explorar esse novo potencial.
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Ilustração do coração com círculo mágico.