A Sombra do Criador (Novel) - Capítulo 10
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Capítulo 10: Dúvidas.
Raven respirou fundo, forçando-se a ignorar o medo corrosivo que se espalhava pelo seu estômago. Com um tom hesitante, mas firme, ele perguntou:
— Você está aliado àqueles que me jogaram aqui?
O silêncio que se seguiu foi tão intenso que pareceu esmagar seus pensamentos. Raven quase acreditou que não receberia resposta alguma. Contudo, a mesma voz, suave e majestosa, ressoou em sua mente novamente, agora com uma calma sobrenatural.
— Aliado a eles? Você se refere àquelas… crianças?
A palavra “crianças” fez um arrepio percorrer a espinha de Raven. Anjos, aqueles seres que existiam há milênios, sendo descritos de forma tão diminutiva? Quem ou o quê era esse ser, afinal? Raven hesitou por um momento, mas forçou-se a responder, sua voz carregada de cautela.
— Se os anjos são apenas crianças para você, então sim, estou me referindo a eles. Aliás, quão velho você é para se referir a seres que existem há milhares de anos como crianças?
Uma risada profunda ecoou no vazio, ressonando sem eco, sem fim. Aquele riso não era cruel ou zombeteiro, tampouco carregava malícia. Era, para a surpresa de Raven, um riso sincero, como o de um ancião rindo da inocência de seus netos. A figura que Raven não conseguia visualizar o fez lembrar de um avô benevolente.
— Ele era como você… tão cheio de perguntas. — O vazio parecia distante agora, sua voz carregada de uma nostalgia quase palpável.
— Ele também era fascinante, assim como você.
O tom do vazio transbordava saudade, e logo ele continuou, mais sério, mas ainda amável. Sua voz suave e majestosa… Se variava, mostrando momentos onde o vazio soa quase onisciente ou imensamente sábio.
— Faz tanto tempo que não tenho companhia… Então, vou satisfazer sua curiosidade. Não, eu não estou aliado aos anjos. Na verdade, não sou aliado de nada ou de ninguém. Eu existo aqui por tanto tempo que os próprios milênios perdem sentido. Bilhões de anos? Quem sabe? O tempo é irrelevante onde eu estou.
Raven sentiu uma pontada de alívio ao ouvir que aquele ser não estava ao lado de seus inimigos. Respirou fundo, sabendo que deveria aproveitar essa rara oportunidade.
“Se ele está disposto a responder, melhor fazer o máximo de perguntas agora…”
Sua curiosidade crescia como uma chama incontrolável. Milhares de perguntas se formavam em sua mente a cada segundo, mas ele sabia que precisava começar por algo simples.
— Há quanto tempo você está aqui? — perguntou.
A voz que respondeu era serena, carregada de uma sabedoria incomensurável, como se tivesse visto eras inteiras se desdobrando e desaparecendo diante de seus olhos.
— Eu sou aquele que estava antes da luz. Antes da criação, antes de tudo. Não havia nada, apenas o meu conceito. Nem luz, nem trevas, apenas… o vazio. Mas eu não fui o primeiro. Alguém veio antes de mim. Naquele tempo, eu não tinha consciência de mim mesmo; eu era apenas o nada, uma presença sem forma. Mas ele… Ele decidiu que o vazio não era o suficiente. Que algo deveria ser criado.
Raven sentiu sua mente girar ao redor daquela revelação. “Ele?” Quem seria essa figura tão poderosa?
— Foi quando ouvi sua voz — continuou o vazio. — Uma voz que ressoava com um poder além da compreensão, um poder absoluto. Ele disse: “Que haja luz.”
Raven estremeceu da cabeça aos pés.
“Então ele presenciou o momento da criação?”
O vazio continuou, sem pressa, como se narrasse algo banal, e não o princípio do universo.
— Foi então que tomei consciência. Mas já era tarde demais. Eu não era mais o nada; eu havia deixado de ser. A criação começou a se expandir, preenchendo tudo o que antes era vazio com algo que eles chamam de “vida”. Ele me isolou aqui, separado de sua criação para que meu conceito não a destruísse. Estou preso nesse espaço desde então, enquanto o universo, o qual ele fez, continua a se expandir infinitamente. Galáxias, estrelas, planetas… uma infinidade de criações surgem a cada momento.
Raven sentiu o peso dessas palavras. A ideia de que o universo, com todos os seus segredos e maravilhas, era algo tão minúsculo comparado ao conceito daquele ser… era esmagadora.
— Mesmo aqui, isolado, minha presença ainda afeta o universo — continuou o vazio.
— Buracos negros são o resultado disso. Fenômenos que sugam tudo, apagando a existência como eu fazia antes. É um eco do que eu fui, uma manifestação não intencional da minha própria natureza.
Raven estava atônito. Ele conseguia compreender parcialmente o que o ser dizia, mas ainda assim, a enormidade da revelação era esmagadora. Ele sentiu que, de alguma forma, o próprio espaço ao seu redor parecia menos vazio agora, preenchido pela presença onipotente daquele ser.
— Certo, mas… você disse que está isolado. Isolado onde, exatamente? — Raven perguntou, buscando entender melhor.
— E… quem é “ele”, esse de quem você fala? Além disso, como você pode me ajudar? E… quem eu te lembro?
O vazio silenciou por um momento, e então sua voz ecoou novamente, mais tangível desta vez.
— Espere… acho que podemos conversar de uma maneira mais fácil de você compreender.
Uma figura começou a se formar diante de Raven. Era como se o próprio espaço estivesse se moldando, criando algo com o qual ele pudesse interagir. A figura mística tomou forma, envolta em um manto que parecia se dissolver no vazio, revelando galáxias e estrelas em constante movimento. Seu rosto era escuro, como o próprio cosmos, e sua expressão emanava serenidade e mistério.
Raven piscou, confuso. O vazio assumiu uma forma quase humanoide, mas ainda assim, sua presença era indescritivelmente imponente.
— Imagine o universo como uma caixa — disse o vazio. — Uma caixa que pode conter o infinito. Eu existia dentro dessa caixa, até que a luz surgiu. Agora, estou fora dessa caixa, isolado, mas ao mesmo tempo ao lado dela. Esse é o motivo pelo qual minha presença ainda transborda e afeta o universo de formas sutis.
Raven assentiu, tentando processar a metáfora.
— E quanto a você me ajudar? — perguntou. — O que você pode fazer por mim? E… a quem eu te lembro?
O vazio hesitou antes de responder.
— Azazel, seu pai. — A voz do ser soou suave. — Sua presença é idêntica à dele, embora os atributos de vocês sejam diferentes.
Raven sentiu o choque atravessá-lo como uma lâmina. Azazel… Meu pai? Suas emoções transbordaram, uma mistura de saudade e curiosidade.
— Você conheceu meu pai? Ele já esteve aqui antes?
— Sim — respondeu o vazio. — Ele esteve aqui durante muito tempo. Eu o ajudei da mesma forma que estou disposto a ajudá-lo. Ele me fascinou, assim como você me fascina agora. E, sim, sei tudo o que aconteceu com você. Sinto muito pela sua perda.
A mente de Raven fervilhava com perguntas e dúvidas. Ele não conseguia organizar seus pensamentos. Como o vazio sabia tanto sobre ele? E como sabia sobre seu pai?
— Sim eu entendo suas dúvidas, eu posso ler seus pensamentos — disse o vazio, como se respondesse diretamente à mente agitada de Raven.
— Estamos nos comunicando diretamente em sua mente, afinal.
Raven ficou envergonhado por não ter percebido isso antes. Ele balançou a cabeça, tentando focar.
— Eu preciso de sua ajuda para sair daqui. Mas eu não posso voltar para o meu mundo de origem. Há outro lugar para onde eu possa ir? Algum lugar onde eu possa me fortalecer?
O vazio fez uma pausa, sua figura brilhando nas estrelas ao seu redor.
— Eu posso tirá-lo daqui, mas você precisa estar preparado. Não será simples. Mas antes, quero ensinar-lhe algumas coisas. Há muito que você precisa saber, e também sobre seu pai. Ele passou anos aqui, assim como você.
— E, falando nisso, o tempo lá fora corre de maneira distinta. Talvez já tenham se passado centenas de anos na outra “caixa”.A voz não carregava nenhuma emoção humana que Raven pudesse identificar. Era como se o próprio espaço falasse com uma calma aterradora, uma serenidade que parecia alheia ao conceito de tempo ou vida.
A revelação atingiu Raven como um raio. Milhares de pensamentos o atingiram de uma só vez. Como o tempo poderia ter corrido tanto assim? Seu estômago revirava com a ideia de séculos terem se passado sem ele. A incredulidade apertava sua garganta, mas, no fundo, uma semente de esperança começava a brotar…
“Se tanto tempo passou, talvez eles já me considerem morto…”, pensou, uma centelha de esperança crescendo em meio à incerteza.
Então sentiu um frio correr pela espinha, mas também uma nova chama de esperança. Finalmente, ele teria respostas. Finalmente, ele encontraria um caminho. E a promessa de saber mais sobre Azazel… era irresistível.
— Muito bem, — disse o vazio, a voz preenchendo o cosmos. — Isso… Contar tudo isso vai ser longo e trágico.
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Aviso ⚠️
Nosso servidor no Discord já está pronto.
O link estará disponível nos comentários do capítulo. Espero vocês lá!
Ilustração do vazio na próxima página.