Capítulo 13
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Capítulo 13: Conhecimento.
Antes que Raven pudesse terminar seus pensamentos, uma dor intensa voltou a explodir em sua cabeça. Era como se alguém estivesse raspando seu cérebro com uma espátula. A agonia era excruciante, a ponto de ele cerrar os punhos e apertar os dentes com força. Seu corpo se contorcia, incapaz de resistir ao sofrimento. Subitamente, mais memórias começaram a ser forçadas em sua mente, mas essas não eram suas. Eram fragmentos desconexos que o Vazio estava introduzindo, forçando uma invasão em sua consciência.
“Essas memórias…” — pensou Raven, enquanto tentava, em meio à dor, organizar os fragmentos que surgiam. “Elas… não são minhas.“
Ele viu uma figura masculina, enevoada no início, mas que aos poucos foi ganhando forma conforme ele se concentrava. Diante de seus olhos, a imagem de um homem jovem começou a se revelar.
O anjo à sua frente tinha uma presença ao mesmo tempo misteriosa e sombria. Seus cabelos longos e negros, levemente ondulados, desciam até os ombros de forma fluida. Havia algo em sua aura que era ao mesmo tempo atraente e perigoso. O contraste de seus olhos aumentava essa dualidade: um era completamente negro, quase humano, enquanto o outro brilhava em um vermelho intenso, exalando uma intenção assassina.
No rosto do anjo, uma marca intricada se desenhava, lembrando o contorno de um dragão. Ele vestia um traje elegante, predominantemente preto, com detalhes dourados que pareciam evocar símbolos sagrados ou ocultos. O ornamento em suas roupas sugeria uma posição celestial elevada, ou talvez uma figura de grande importância.
Acima de sua cabeça, flutuava uma auréola dourada, mas com bordas negras — algo que Raven jamais tinha visto antes. Era uma visão perturbadora e, ao mesmo tempo, fascinante.
Esse é… — Raven sentiu uma onda de emoção inesperada tomar conta de si. “Esse é meu avô?“ Um misto de alegria e medo o invadiu. “Mas será que ele ainda está vivo?“
Antes que pudesse contemplar por mais tempo, os fragmentos de memória começaram a se dissipar. No entanto, antes que a imagem sumisse por completo, ele percebeu que os lábios de seu avô se moviam, como se estivessem tentando dizer algo. Uma voz agitada ecoou em sua mente:
— Adeus, meu filho… Azaz…
A frase se interrompeu, mas Raven não precisou ouvir o final para entender. “Meu avô estava clamando pelo meu pai, Azazel.“ As palavras ecoaram em sua mente, enquanto ele refletia sobre a cena. “Será que esse foi o momento em que Azazel foi levado para os Céus, separado de seus pais para ser criado pelos anjos?“
Raven apertou os lábios com desdém, seu rosto demonstrando repulsa. “Separar um filho de seus pais…“ Ele balançou a cabeça, enojado. “É algo desprezível. Algo que jamais deveria acontecer, pensou.“
Seu coração apertou. Mesmo que estivesse em situações diferentes, ele compreendia o sentimento de estar sozinho, de não ter ninguém.
Sacudindo a cabeça, tentando dispersar seus pensamentos, Raven voltou sua atenção para a imagem etérea do Vazio, que ainda pairava à sua frente.
— Você realmente não sabe onde meus avós estão? — perguntou ele, sua voz firme e inquisitiva.
O Vazio respondeu imediatamente, sua voz calma e imparcial:
— Não, Raven, eu realmente não sei. O universo é infinito e se expande a cada segundo. Existem centenas de milhares de planetas, cada um com espécies e formas de poder diferentes. Só existem algumas similaridades entre eles. Talvez você possa encontrá-los algum dia… mas não posso te dar uma resposta certa.
Raven assentiu, demonstrando que compreendia a situação. Ele refletiu por um momento. “Talvez eu deva deixar algum sinal, uma marca… algo que faça meu nome ser conhecido por onde eu passar. Quem sabe, se estiverem vagando por este universo, meus avós possam me encontrar?“
— Quando eu sair daqui — perguntou ele, sua mente já formulando planos — será possível voltar para conversar com você, ou pedir sua ajuda?
O Vazio respondeu com franqueza:
— Vai depender de quanto você melhorar em magia ou encantamento rúnico.
Ele fez uma pausa antes de continuar, seu tom firme, mas gentil:
— Existem inúmeras formas de usar mana, Raven. Cada uma com seu grau de complexidade e poder. A magia é um campo vasto e diversificado, abrangendo desde manipulações simples de elementos até reconfigurações complexas da própria realidade. Entre essas formas, o encantamento rúnico se destaca como uma das artes mais antigas e versáteis.
Raven ouvia atentamente enquanto o Vazio continuava a explicação.
— O encantamento rúnico vai muito além de simples inscrições em objetos. Ele é a aplicação direta de mana, capaz de canalizar até fragmentos do poder místico presente nas fundações do universo. Sua principal utilidade está na criação de barreiras mágicas e no encantamento de armas e armaduras. Com isso, elas podem resistir a impactos extraordinários, causar danos sobrenaturais, ou até conceder habilidades especiais, como regeneração ou invisibilidade.
Enquanto o Vazio falava, Raven se perdia em seus pensamentos. “Como os livros de fantasia do meu mundo conseguem descrever coisas que realmente existem, mas que são completamente desconhecidas pela população?“
O Vazio, percebendo o silêncio de Raven, continuou:
— No entanto, essa magia não se limita a efeitos superficiais. Mestres rúnicos, aqueles que atingem o ápice da arte, podem manipular as runas para alterar as próprias leis que regem uma área. Dependendo da habilidade e do poder do indivíduo, o encantamento rúnico pode até dobrar as fronteiras da realidade. Imagine um campo de batalha onde a gravidade é invertida, onde o tempo corre de maneira diferente, ou onde a própria matéria se comporta de forma antinatural. Tudo isso é possível com a manipulação rúnica.
As palavras do Vazio eram carregadas de significado. “Moldar a realidade…“ Raven pensou, impressionado. “Essa magia é muito mais poderosa do que eu imaginava.“
— Esses mestres rúnicos — continuou o Vazio — podem encapsular conceitos abstratos, como silêncio absoluto ou a distorção da luz, dentro de runas. Podem criar zonas onde os elementos se comportam de forma oposta à sua natureza — como água que se torna fogo ou ar que se solidifica como pedra.
Raven escutava atentamente. Não havia nada que escapasse à sua atenção enquanto o Vazio falava. Ele estava absorvendo cada detalhe.
— Além disso — prosseguiu o Vazio —, cada runa carrega um fragmento de conhecimento ancestral. Quanto mais complexo o arranjo rúnico, mais difícil é decifrá-lo ou combatê-lo. Os magos mais habilidosos podem usar essas runas para traçar fronteiras entre mundos ou até invocar criaturas de outras dimensões. No entanto, manipular essas forças requer um domínio absoluto, pois qualquer erro pode resultar em consequências catastróficas, como a criação de fendas no espaço-tempo ou a distorção completa da realidade.
Raven fez um gesto afirmativo com a cabeça, indicando que compreendia.
— O encantamento rúnico — finalizou o Vazio — é mais do que uma forma de magia. É uma linguagem primordial, uma conversa direta com os princípios fundamentais do universo. Aqueles que o dominam podem reescrever as regras da existência.
O Vazio fez uma pausa, observando Raven.
— Eu posso te ensinar mais sobre encantamento rúnico — disse ele — já que consigo ler qualquer tipo de linguagem ancestral. Mas também posso te ensinar algo mais simples, como círculos mágicos. Eles são o meio de magia mais usado fora daqui. Para usar o encantamento rúnico, é preciso conhecer a linguagem ancestral, o que significa que provavelmente você verá apenas dragões ou elfos primordiais, conhecidos como Sylfaryn, eles são uma raça élfica ancestral.
Os Sylfaryn são considerados guardiões do equilíbrio natural e detentores de conhecimentos ancestrais esquecidos pela maioria das outras raças. Suas linhagens remontam à aurora dos mundos, e seus membros são raramente vistos, preferindo viver em florestas antigas, onde o tempo corre de maneira diferente. Dizem que suas habilidades mágicas são tão antigas quanto as estrelas, e que suas runas podem moldar tanto a vida quanto a própria realidade.
Raven piscou, surpreso com a menção dos Sylfaryn. “Minha avó poderia ser descendente dessa linhagem? Seria essa a minha quarta linhagem…?,” Ele rapidamente descartou o pensamento. ‘Não, a linhagem que o Vazio ocultou de mim deve ser outra.“
Percebendo que Raven estava perdido em pensamentos, o Vazio limpou a garganta para chamar sua atenção.
— Khof. Os círculos mágicos são uma forma de canalizar a mana diretamente, mas não apenas através da sua quantidade, como acontece com outras formas de magia. O verdadeiro segredo dos círculos está no entendimento profundo dos elementos e das leis naturais.
Ao contrário da magia comum, onde o poder depende principalmente do volume de mana, aqui, o sucesso é medido pela compreensão intelectual dos processos naturais e arcanos. Quanto mais um mago entende os princípios subjacentes a um fenômeno, mais eficazmente ele consegue moldar e controlar a mana.
Por exemplo, para conjurar uma simples bola de fogo, o mago não precisa apenas de mana, mas também de um conhecimento detalhado sobre calor, combustão e a liberação de energia.
O vazio continuou, sua voz ecoando no espaço:
— Os círculos mágicos são como uma linguagem arcana — uma representação simbólica que usa formas geométricas para codificar e manipular a mana de acordo com a intenção do usuário. Esta magia é dividida em 23 níveis, ou círculos, que variam em complexidade e poder. Nos círculos inferiores, como o primeiro, temos magias mais simples e diretas, como invocar uma bola de fogo ou controlar rajadas de vento. Estas magias são acessíveis até mesmo para iniciantes, pois exigem apenas um entendimento básico dos elementos.
Ele fez uma pausa, observando a expressão focada de Raven antes de continuar:
— À medida que você avança pelos círculos, as exigências aumentam exponencialmente. Cada nível superior demanda mais do que apenas mana; exige um entendimento cada vez mais profundo das forças que governam o universo. No 9º círculo, por exemplo, o mago pode começar a manipular o tempo em pequenas escalas — desacelerar objetos ou acelerar o crescimento de plantas. Mas, a partir desse ponto, a magia se torna infinitamente mais complexa.
Raven ouvia atentamente, absorvendo cada palavra, seus olhos brilhando com uma curiosidade quase infantil, enquanto o vazio continuava:
— A partir do 10º círculo, o mago precisa de uma “linguagem superior” — uma forma de raciocínio que transcende a lógica convencional. Somente aqueles com mentes excepcionalmente brilhantes, ou que dedicaram décadas ao estudo e à meditação, conseguem acessar esses níveis. Nesses círculos, o mago deve ser capaz de compreender conceitos abstratos, como a relatividade do tempo e a natureza do espaço-tempo, permitindo-lhes criar magias que literalmente moldam a realidade em níveis profundos.
Raven manteve o foco, mas não pôde esconder um sorriso de canto. A profundidade daquele conhecimento o fascinava.
— A magia do 16º círculo é um exemplo claro desse poder extraordinário — disse o vazio, sem alterar o tom sereno. — Seu pai, Azazel, quando ainda jovem, usou um círculo misto para criar a magia “Teia Universal”. Essa magia exigiu não apenas uma quantidade colossal de mana, mas um domínio absoluto sobre as interações entre as leis do universo, a matéria e a mana.
Raven sentiu um arrepio ao ouvir o nome de seu pai e o feito que ele havia realizado.
— A dificuldade em ultrapassar o 9º círculo reside no fato de que a mente da maioria das raças comuns não está naturalmente preparada para compreender as intricadas leis que governam o cosmos. Apenas seres com intelectos vastos, capazes de entender múltiplas camadas da realidade simultaneamente, conseguem ultrapassar essa barreira.
O vazio olhou diretamente para Raven, avaliando sua reação, antes de concluir:
— Os círculos mágicos são uma prova de que o verdadeiro poder não vem da força bruta ou do volume de mana, mas da capacidade de compreender e manipular as leis que sustentam o mundo. Cada círculo é uma janela para o domínio absoluto, e aqueles que se aventuram por esses caminhos trilham uma linha tênue entre o conhecimento supremo e a loucura abissal.
Depois de uma breve pausa, o vazio perguntou com serenidade, aguardando a resposta de Raven:
— Qual das duas formas de manipular a mana você deseja aprender, Raven?
Raven, sem hesitar, com um semblante calmo e um sorriso sutil no canto dos lábios, respondeu:
— Ambos.
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Ilustração de Seraphiel Aetherion, avô de Raven.