Capítulo 11
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Capítulo 11: Os Ecos da Criação
O desejo de descobrir mais sobre seu pai consumia Raven. Cada batida de seu coração soava como um martelo em seus ouvidos, uma mistura de ansiedade e medo crescente. As sombras ao seu redor pareciam intensificar seu nervosismo, como se o próprio vazio que o cercava estivesse à espera das revelações que viriam.
Então, a voz calma e majestosa do vazio reverberou por todo o nada, preenchendo aquele silêncio opressor.
—”Por onde começar…?” murmurou o vazio, refletindo sobre como contar a história. “Acho que é melhor pelo início da criação”.
O tom calmo do vazio soava quase como uma narrativa antiga, carregada de ecos de eras passadas.
— Certo. Há milhares de anos, o Criador, em um ato de pura vontade, trouxe à existência os Céus, um domínio de perfeição reservado para suas criações mais leais: os anjos. Estes seres celestiais foram moldados a partir da própria essência divina, divididos em hierarquias de poder e pureza.
Cada hierarquia cumpria um propósito específico dentro da ordem universal. Alguns gerenciavam a harmonia entre as estrelas, outros impunham a justiça divina, enquanto os mais elevados, como os Serafins, mantinham a chama sagrada que sustentava toda a criação.
A primeira geração desses seres, conhecidos como a Geração Zero, eram os mais poderosos, formados diretamente pelas mãos do Criador. Serafins, Querubins, e até mesmo alguns Tronos surgiram nesse período inicial, imbuídos da essência primordial.
As palavras ecoavam como trovões dentro de sua mente. Cada frase era um golpe, moldando uma nova realidade diante dele. Raven tentou absorver o que ouvia, mas as revelações vinham rápidas demais, quase sufocantes.
Enquanto o vazio continuava:
— No entanto, o ato da criação não parou aí. De cada aspecto do Criador, novos seres e elementos surgiam, preenchendo o vasto vazio que um dia foi o nada. Sua mente deu origem à razão e à consciência, criando os humanos, seres mortais, mas capazes de refletir a divindade em suas emoções e pensamentos.
As palavras do vazio ecoaram na mente de Raven, despertando uma dúvida silenciosa.
“Os humanos… da mente do Criador?“, pensou.
Sua respiração ficou pesada enquanto tentava processar essa revelação.
O vazio prosseguiu:
— De seu coração, nasceram os dragões, criaturas de poder inigualável, feitas para guardar os segredos antigos e manter o equilíbrio entre o caos e a ordem. Das profundezas de sua sombra, surgiram os demônios, feitos de fúria e desespero, refletindo o lado obscuro da criação — seres destinados a testar as almas e desafiar a ordem imposta pelos Céus.
Cada pedaço do Criador se fundiu ao próprio tecido do universo, dando vida e forma a tudo o que existe. Após a criação dos anjos e demais seres, o Criador se tornou um com o cosmos, espalhando sua essência em cada estrela, cada planeta e cada alma.
O universo passou a pulsar com sua energia, enquanto o Criador descansava em um estado de fusão com sua própria criação. Porém, esse descanso trouxe um vazio, uma ausência de sua presença direta que muitos interpretaram como abandono.
Esse “abandono” fez com que os seres celestiais começassem a reger seus poderes como bem entendiam — de forma desigual, prepotente, e até gananciosa. Eles começaram a se ver como superiores a todos os que estavam abaixo, perdendo o propósito de servir, e começaram a exigir que fossem servidos.
Ao receber toda essa descarga de informações, Raven ficou paralisado, sentindo o suor frio escorrer por sua testa.
— “Sim… agora eu entendo…” ele pensou.
Sua expressão permanecia impassível, mas seus lábios tremiam levemente. Cada fragmento de informação era registrado em sua mente.
— “Continue, por favor,” disse ele, com a voz baixa.
— “Agora, vamos ao seu pai”, murmurou o vazio, como se refletisse sobre a melhor forma de descrever o progenitor de Raven.”Bem, ele era um indivíduo extremamente poderoso. Um ser que, de muitas formas, honrava os Céus. Mas, ao contrário dos demais, sua origem era… pecaminosa.
— “Pecaminosa?” O pensamento invadiu a mente de Raven, acendendo um misto de confusão e urgência. Seu coração disparou.
— Sim, continuou a voz, quase como se pudesse sentir as dúvidas de Raven. Ao contrário de outros seres celestiais, seu pai veio à vida pelo nascimento. Não foi moldado pelas mãos do Criador, mas sim nasceu, uma afronta inaceitável às altas esferas do Céu.
Os olhos de Raven se estreitaram enquanto processava a informação.
— Então… ele era… como um humano?.
A voz do vazio soou novamente, suave e cadenciada:
— Não exatamente. Seu pai foi o fruto de uma união proibida entre dois seres que jamais deveriam ter se cruzado. Ele nasceu da união de um serafim esquecido pelo tempo, Seraphiel Aetherion, e de uma demônia primordial, Lilithar Nyxara. Seu pai não era fruto da criação direta, mas sim de algo que foi considerado uma abominação.
Uma abominação… A palavra ecoava na mente de Raven, uma faísca de raiva misturada à incompreensão. Ele apertou os punhos, tentando processar o que aquilo realmente significava para ele.
O vazio continuou:
— Uma linha que jamais deveria ter sido cruzada entre os celestiais e os demônios. Sua história é longa e cheia de sombras, mas eu posso resumi-la para você, jovem Raven.
Raven assentiu, seu rosto endurecido por uma mistura de curiosidade e uma raiva silenciosa que começava a ferver dentro de si. Ele precisava saber. Cada detalhe, cada nuance, era crucial para entender não apenas seu pai, mas também a si mesmo.
— Então eu vou contar, disse o vazio, como se estivesse prestes a narrar uma lenda antiga.”Seu pai, Azazel, foi concebido fora das leis divinas e, por isso, marcado como uma aberração pelos anjos. Sua vida, desde o início, foi de rebeldia contra os Céus, mas também de honra, mesmo quando sua própria existência era um desafio às leis celestiais.”
O peso das revelações o esmagava. Raven sentia como se uma corrente invisível o puxasse para o fundo de um abismo sem fim. Cada nova descoberta não apenas respondia suas perguntas, mas também despedaçava o que ele pensava saber.
— Assim que nasceu, Azazel foi levado aos Céus para ser criado entre os seres celestiais. Porém, sempre foi julgado por sua origem impura. Mesmo assim, isso não o abalou. Azazel se destacava, não apenas pela força ou pela linhagem amaldiçoada que carregava, mas pela sua mente afiada, uma frieza estratégica que fazia até os mais antigos tremerem em sua presença.
Rapidamente, conquistou um cargo único — um posto que nem mesmo alguns seres criados diretamente pelo Criador haviam conseguido.
Ele se tornou o carrasco e juiz dos Céus, responsável por julgar e punir raças que não honravam o Criador. Com o passar dos milênios, ele extinguiu civilizações inteiras. Mas algo dentro dele começou a mudar. Ele percebeu que muitos dos que exterminava não haviam cometido ofensa alguma. Na maioria das vezes, essas raças estavam vivendo pacificamente, sem desafiar os Céus. E isso o perturbava profundamente. Ele começou a se questionar sobre a justiça de suas ações. A verdade é que ele sempre foi usado pelos Céus.
Raven sentia seu peito apertar enquanto ouvia a história. A voz do vazio continuava, sombria e melancólica:
— Azazel, com o tempo, aprendeu a enganar até os mais vigilantes anjos. Ele começou a tecer uma rede de mentiras, ocultando suas verdadeiras intenções, enquanto seus olhos viam além do véu da justiça divina.
Afirmando que havia punido as civilizações, quando na verdade as poupava. Mas tudo mudou quando foi enviado para aniquilar a vida em um planeta dentro de um sistema solar chamado ‘A Desgraça da Criação’. Esse sistema não possuía presença de poder divino, mana ou energia espiritual, devido a um buraco negro próximo. Foi lá que ele conheceu sua mãe.
O vazio, com um tom calmo e melancólico, disse:
— Sinto muito, Raven. Não consegui controlar os vazamentos do meu poder, e isso prejudicou o planeta onde você nasceu.
Raven compreendia a natureza incontrolável do poder. Sem qualquer traço de julgamento ou ressentimento, ele assentiu, sua expressão serena.
— Está tudo bem. Não me importa tanto assim.
O vazio fez uma pausa antes de continuar, em um tom mais suave:
— Ela era uma mulher gentil, que irradiava amor até para as almas mais perversas. Sua bondade o encantou. Eles se apaixonaram, casaram-se, e de sua união você nasceu. Azazel decidiu trair os Céus para viver com a mulher que amava, mas foi morto por isso.
Raven sentiu um nó se formar em sua garganta, mas permaneceu em silêncio, ouvindo cada palavra.
— Antes de sua execução, ele fez um pedido: que poupassem aquele planeta, e especialmente sua mãe e você. Os anjos concederam o pedido, mas o pacto só duraria 10 mil anos. Ele confiava que, um dia, você se tornaria mais poderoso que ele. Porém, não creio que ele previu a perversidade e ganância dos Céus ao punirem você e sua mãe.
Assim que o vazio terminou, Raven se viu imerso em um turbilhão de novas perguntas e sentimentos. Quem eram seus avós? Ainda estariam vivos?, Seu ódio pelos anjos transbordava, alimentado pelo conhecimento que acabara de adquirir. E com cada resposta, seu ressentimento só aumentava.
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